O LifeSiteNews publicou uma carta aberta aos bispos do mundo acusando o Papa Francisco
de vários casos de heresia e instando os bispos a tomarem medidas
contra ele. Trata-se de uma autodescrita continuação dos ataques
anteriores a Francisco, começando com as dubia dos cinco cardeais e depois com a “correção filial” de 2017. Francisco, sabiamente, não respondeu a nenhuma dessas tolices.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada em National Catholic Reporter, 03-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O artigo do LifeSite, de Maika Hickson, descreveu os signatários como “proeminentes clérigos e estudiosos”, embora eu ache que todos os nomes, exceto um – o do padre dominicano Aidan Nichols – são descritos com mais precisão como obscuros. Mais tarde, ela chamou os estudiosos de “muito respeitados” e, mais uma vez, acho que o Pe. Nichols é alguém a ser respeitado. Depois dessa incursão na política eclesial, talvez nem tanto.
Tomemos uma das acusações contra Francisco, para que você possa entender o que há de errado aqui:
“II. Um fiel cristão pode ter pleno conhecimento de uma lei divina e voluntariamente escolher rompê-la em uma questão séria, mas não estar em um estado de pecado mortal como resultado dessa ação.”
Eles citam o Concílio de Trento, vários textos das Escrituras, a bula papal Unigenitus, que condenou o jansenismo (que é uma espécie de ironia) e a encíclica Veritatis splendor do Papa João Paulo II e a sua exortação apostólica Reconciliatio et paenitentia. Ok, entendemos o recado. Mas o primeiro versículo da Escritura que eles citam não parece diretamente relacionado com isso. Marcos 8, 38 diz:
“Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras diante dessa geração adúltera e pecadora, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória do seu Pai com seus santos anjos.”
Eu acho que Marcos 3, 1-6 é mais adequado para a afirmação doutrinal que eles estão fazendo:
“Jesus entrou de novo na sinagoga, onde estava um homem com a mão seca. Havia aí algumas pessoas espiando, para verem se Jesus ia curá-lo em dia de sábado, e assim poderem acusá-lo. Jesus disse ao homem da mão seca: ‘Levante-se e fique no meio’. Depois perguntou aos outros: ‘O que é que a Lei permite no sábado: fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou matá-la?’ Mas eles não disseram nada. Jesus então olhou ao seu redor, cheio de ira e tristeza, porque eles eram duros de coração. Depois disse ao homem: ‘Estenda a mão’. O homem estendeu a mão e ela ficou boa. 6 Logo depois, os fariseus saíram da sinagoga e, junto com alguns do partido de Herodes, faziam um plano para matar Jesus.”
Ou, se você objetar que esses homens eram judeus, e não cristãos, poderíamos nos voltar para a carta de São Paulo aos Efésios:
“Mas agora, em Jesus Cristo, vocês que estavam longe foram trazidos para perto, graças ao sangue de Cristo. Cristo é a nossa paz. De dois povos, ele fez um só. Na sua carne derrubou o muro da separação: o ódio. Aboliu a Lei dos mandamentos e preceitos. Ele quis, a partir do judeu e do pagão, criar em si mesmo um homem novo, estabelecendo a paz.”
Em Atos 15, o Concílio de Jerusalém decreta que os gentios não precisam obedecer à lei mosaica, que certamente era uma lei divina: São Paulo, nos Atos, primeiro diz a Timóteo que ele deve ser circuncidado, mas, na época em que ele escreve aos Gálatas, ele se pronuncia fortemente contra a circuncisão. O que mudou. As circunstâncias. Deus nos livre...
Eu acho que é possível fazer um argumento similar contra todos os pontos de acusação deles. Mas não é preciso, não é? Negociar citações fora de contexto da Escritura e tradição? Esse texto não foi publicado em um periódico teológico com avaliação cega por pares e definitivamente não deseja persuadir. Ele afirma. Ele faz uma interpretação particular da tradição católica e faz dela um ídolo, insistindo que essa e somente essa é a única interpretação válida.
Também está claro que essa linha de argumentação realmente não encontra suas raízes na teologia de João Paulo II, menos ainda no Concílio Vaticano II. Trata-se de "neofeeneítas", que aderem às posições teológicas mais extremas sustentadas antes do Vaticano II (o Pe. Leonard Feeney era um arquiconservador, cujas visões eram tão extremas que ele foi excomungado em 1953).
Assim, por exemplo, eles escrevem que “essas heresias estão interconectadas. A base da moral sexual católica consiste na afirmação de que a atividade sexual existe em prol da procriação dentro do matrimônio e é moralmente errado se ela for conscientemente engajada fora dessa esfera”. Exceto que o Concílio Vaticano II e cada papa desde então ensinaram claramente que há dois fins para a intimidade sexual, a procriação e a união dos cônjuges. Este último não está à altura dos neofeeneítas.
Eles “provam” que o papa é herege citando algumas de suas declarações públicas e certas ações. As declarações públicas têm a ver principalmente com a Amoris laetitia e especificamente se, em certas circunstâncias, os divorciados e os recasados civilmente podem ser admitidos aos sacramentos ou não. Nós ouvimos esses argumentos durante os dois sínodos que levaram à Amoris laetitia. Eles não se debruçam sobre este fato: não foi apenas Francisco, mas sim dois terços dos bispos reunidos no Sínodo que endossaram essa abordagem pastoral diferente em relação a ministrar a pessoas em tais situações irregulares. Eles também não observam que o que está realmente em questão aqui é tanto a nossa compreensão católica da Eucaristia quanto a nossa compreensão do matrimônio. Mais importante, eles não reconhecem que Francisco vê o seu papel como pastor, não como teólogo-em-chefe, e o seu objetivo não é tornar a doutrina pura e irrefutável, mas torná-la viva nas vidas dos fiéis católicos. Mas essa carta não é um documento que procura nuances ou sutilezas.
Minha parte favorita do texto é quando os signatários fazem uma reprise do testemunho de Viganò e fornecem “evidências” das inclinações heréticas de Francisco em algumas de suas ações públicas, especialmente a promoção de certos prelados. “Ao elogiar publicamente indivíduos que dedicaram suas carreiras a se opor ao magistério da Igreja e à fé católica, e ao promover e cometer crimes condenados pela revelação divina e pela lei natural, [o papa] comunica a mensagem de que as crenças e as ações desses indivíduos são legítimas e louváveis”, escrevem. Eles não mencionam se eles também usam um tabuleiro Ouija para discernir o que as ações do papa comunicam ou não.
Os três estadunidenses mencionados entre esses prelados malignos são o cardeal Blase Cupich, o ex-cardeal Theodore McCarrick e o cardeal Donald Wuerl. Cupich foi nomeado bispo de Rapid City, Dakota do Sul, por João Paulo II. Posteriormente, ele foi transferido para Spokane, Washington, pelo Papa Bento XVI. Francisco transferiu-o para Chicago. A nomeação inicial de Cupich para Rapid City foi um sinal de que João Paulo II era um herege? Bento XVI é um herege por mandá-lo para Spokane?
McCarrick foi primeiro nomeado como bispo auxiliar pelo Papa Paulo VI, mas foi promovido a Metuchen, Nova Jersey, por João Paulo II, que o promoveu ao arcebispado de Newark, Nova Jersey, depois à Arquidiocese de Washington e, por fim, criou-o cardeal. McCarrick se aposentou sete anos antes de Francisco ser eleito. Por que a carreira de McCarrick é uma prova da heresia de Francisco?
João Paulo II, na verdade, ordenou o cardeal Wuerl como bispo e, depois, nomeou-o como bispo de Pittsburgh. Bento XIV nomeou-o para Washington e fez dele um cardeal. Mais uma vez, esses papas anteriores devem ser confrontados com a acusação de heresia por essas ações? Isso é um completo absurdo.
Esse absurdo fica ainda mais evidente na próxima seção da acusação, em que a carta aberta alega mais casos de Francisco se comportando de forma heterodoxa. Por exemplo, durante o Sínodo dos Jovens no ano passado, Francisco “usou uma cruz distorcida com as cores do arco-íris, sendo o arco-íris um símbolo popularmente promovido pelo movimento homossexual”. Lembro-me de que Frédéric Martel, em seu livro lascivo sobre a homossexualidade no Vaticano, também discerniu a importância homossexual em um guarda-chuva com as cores do arco-íris na Domus Sanctae Marthae. Mas o arco-íris não é o sinal da aliança de Deus com Noé? E agora não é também um símbolo do movimento pela paz? Infelizmente, esses ativistas anti-Francisco e virulentamente antigay, assim como o abertamente homossexual Martel, veem a homossexualidade por toda a parte.
A carta condena o papa pelo seu acordo com a China, declarando erroneamente que o governo chinês pode escolher bispos, quando, na verdade, o governo os nomeia, um procedimento que foi seguido por grande parte do Ocidente por muitos séculos, quando governantes não apenas nomeavam os bispos, mas também uma grande variedade de autoridades eclesiais. Roma, na época, assim como agora, deve confirmar as nomeações – ou não. Além disso, isso é diplomacia, não um dogma, então por que essa acusação é evidência de heresia?
Mas não é nada ingênuo até onde essa multidão leva a sua oposição ao Santo Padre. Aqui no NCR temos uma longa história de crítica aos papas por certas decisões, mas nunca os acusamos de heresia e nunca os convocamos a serem expulsos. Tom Fox, que tem sido editor ou membro do conselho do NCR desde 1980, me disse:
”Eu posso dizer categoricamente que nenhum escritor de qualquer uma das nossas publicações, nesses 39 anos, jamais chamou um dos nossos papas de herege. Como católico, esse pensamento é, basicamente, um oximoro. Ah, sim, fizemos críticas de bispos e papas. Nós vemos a nós mesmos, às vezes, como uma oposição leal. Nos períodos em que fazemos críticas, também oferecemos elogios. Nós criticamos fortemente, por exemplo, quase sozinhos, nos anos 1980, o comportamento sexualmente abusivo dos padres e a cumplicidade dos bispos nesse abuso. Mas sempre criticamos com um senso de lealdade e de esperança pela reforma. Ninguém pode nos separar do vigário de Cristo. Nós somos católicos. Nós somos o povo de Deus.”
Amém.
Você não precisa adivinhar os motivos dessa multidão. É tão evidente quanto o céu. Ou não? Assim como os críticos anteriores de Francisco, eles acreditam em uma era de ouro que nunca existiu. Eles visualizam uma Igreja que nunca existiu, na qual toda a obra eclesial equivale a repetir o Catecismo do Concílio de Trento. Eles querem um tipo de certeza abrangente que não esteja disponível para nós, humanos, nesta vida. E aqueles que não veem as coisas como eles devem entrar na rodovia. Essa atitude indica uma certa insegurança, e eu sinto simpatia por aqueles para os quais esse pontificado é inquietante, assim como eu senti simpatia pelos católicos que sentiram falta do rito tridentino e acharam a missa vernacular inquietante. Mas a história segue em frente, e o Espírito, como o vento, sopra onde quer.
Feeney, lembremo-nos, agarrou-se à proposição “Extra ecclesiam nulla salus” – fora da Igreja não há salvação. Ele admitiu apenas a sua interpretação restrita dessa afirmação. Por isso, ele foi excomungado, isto é, encontrou-se fora da Igreja. Graças a Deus, ele se reconciliou com a Igreja antes de morrer. Eu espero que os signatários dessa terrível carta também pensem melhor sobre as suas táticas e as suas afirmativas.
Quando os cinco cardeais dissidentes emitiram as suas dubias, eu achei surpreendente a sua ação, mas você pode encontrar divergências profundas sobre questões importantes em quase todas as décadas da história cristã. Desta vez, eu tive uma reação diferente. Esse mesmo veneno, dirigido contra o próprio papa, leva-me a pensar que essa carta não é meramente o resultado de um desacordo com o papa, ou mesmo de um feroz desacordo. Eu me pergunto se tanto veneno, página após página de asserções tão desconectadas da realidade, não é o resultado do envolvimento desses signatários com a suspeita de que Francisco está certo, que ele chamou a Igreja de volta para o centro do querigma do Evangelho: Jesus veio proclamar e implementar a ilimitada misericórdia de Deus, e a medida da nossa receptividade a essa grande graça é o modo como cuidamos dos pobres.
Eu suspeito que, bem lá no fundo, eles sabem que Francisco está certo, e isso os assusta demais, exigindo uma conversão do coração, assim como da mente, que eles desejam desesperadamente evitar.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada em National Catholic Reporter, 03-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O artigo do LifeSite, de Maika Hickson, descreveu os signatários como “proeminentes clérigos e estudiosos”, embora eu ache que todos os nomes, exceto um – o do padre dominicano Aidan Nichols – são descritos com mais precisão como obscuros. Mais tarde, ela chamou os estudiosos de “muito respeitados” e, mais uma vez, acho que o Pe. Nichols é alguém a ser respeitado. Depois dessa incursão na política eclesial, talvez nem tanto.
Tomemos uma das acusações contra Francisco, para que você possa entender o que há de errado aqui:
“II. Um fiel cristão pode ter pleno conhecimento de uma lei divina e voluntariamente escolher rompê-la em uma questão séria, mas não estar em um estado de pecado mortal como resultado dessa ação.”
Eles citam o Concílio de Trento, vários textos das Escrituras, a bula papal Unigenitus, que condenou o jansenismo (que é uma espécie de ironia) e a encíclica Veritatis splendor do Papa João Paulo II e a sua exortação apostólica Reconciliatio et paenitentia. Ok, entendemos o recado. Mas o primeiro versículo da Escritura que eles citam não parece diretamente relacionado com isso. Marcos 8, 38 diz:
“Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras diante dessa geração adúltera e pecadora, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória do seu Pai com seus santos anjos.”
Eu acho que Marcos 3, 1-6 é mais adequado para a afirmação doutrinal que eles estão fazendo:
“Jesus entrou de novo na sinagoga, onde estava um homem com a mão seca. Havia aí algumas pessoas espiando, para verem se Jesus ia curá-lo em dia de sábado, e assim poderem acusá-lo. Jesus disse ao homem da mão seca: ‘Levante-se e fique no meio’. Depois perguntou aos outros: ‘O que é que a Lei permite no sábado: fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou matá-la?’ Mas eles não disseram nada. Jesus então olhou ao seu redor, cheio de ira e tristeza, porque eles eram duros de coração. Depois disse ao homem: ‘Estenda a mão’. O homem estendeu a mão e ela ficou boa. 6 Logo depois, os fariseus saíram da sinagoga e, junto com alguns do partido de Herodes, faziam um plano para matar Jesus.”
Ou, se você objetar que esses homens eram judeus, e não cristãos, poderíamos nos voltar para a carta de São Paulo aos Efésios:
“Mas agora, em Jesus Cristo, vocês que estavam longe foram trazidos para perto, graças ao sangue de Cristo. Cristo é a nossa paz. De dois povos, ele fez um só. Na sua carne derrubou o muro da separação: o ódio. Aboliu a Lei dos mandamentos e preceitos. Ele quis, a partir do judeu e do pagão, criar em si mesmo um homem novo, estabelecendo a paz.”
Em Atos 15, o Concílio de Jerusalém decreta que os gentios não precisam obedecer à lei mosaica, que certamente era uma lei divina: São Paulo, nos Atos, primeiro diz a Timóteo que ele deve ser circuncidado, mas, na época em que ele escreve aos Gálatas, ele se pronuncia fortemente contra a circuncisão. O que mudou. As circunstâncias. Deus nos livre...
Eu acho que é possível fazer um argumento similar contra todos os pontos de acusação deles. Mas não é preciso, não é? Negociar citações fora de contexto da Escritura e tradição? Esse texto não foi publicado em um periódico teológico com avaliação cega por pares e definitivamente não deseja persuadir. Ele afirma. Ele faz uma interpretação particular da tradição católica e faz dela um ídolo, insistindo que essa e somente essa é a única interpretação válida.
Também está claro que essa linha de argumentação realmente não encontra suas raízes na teologia de João Paulo II, menos ainda no Concílio Vaticano II. Trata-se de "neofeeneítas", que aderem às posições teológicas mais extremas sustentadas antes do Vaticano II (o Pe. Leonard Feeney era um arquiconservador, cujas visões eram tão extremas que ele foi excomungado em 1953).
Assim, por exemplo, eles escrevem que “essas heresias estão interconectadas. A base da moral sexual católica consiste na afirmação de que a atividade sexual existe em prol da procriação dentro do matrimônio e é moralmente errado se ela for conscientemente engajada fora dessa esfera”. Exceto que o Concílio Vaticano II e cada papa desde então ensinaram claramente que há dois fins para a intimidade sexual, a procriação e a união dos cônjuges. Este último não está à altura dos neofeeneítas.
Eles “provam” que o papa é herege citando algumas de suas declarações públicas e certas ações. As declarações públicas têm a ver principalmente com a Amoris laetitia e especificamente se, em certas circunstâncias, os divorciados e os recasados civilmente podem ser admitidos aos sacramentos ou não. Nós ouvimos esses argumentos durante os dois sínodos que levaram à Amoris laetitia. Eles não se debruçam sobre este fato: não foi apenas Francisco, mas sim dois terços dos bispos reunidos no Sínodo que endossaram essa abordagem pastoral diferente em relação a ministrar a pessoas em tais situações irregulares. Eles também não observam que o que está realmente em questão aqui é tanto a nossa compreensão católica da Eucaristia quanto a nossa compreensão do matrimônio. Mais importante, eles não reconhecem que Francisco vê o seu papel como pastor, não como teólogo-em-chefe, e o seu objetivo não é tornar a doutrina pura e irrefutável, mas torná-la viva nas vidas dos fiéis católicos. Mas essa carta não é um documento que procura nuances ou sutilezas.
Minha parte favorita do texto é quando os signatários fazem uma reprise do testemunho de Viganò e fornecem “evidências” das inclinações heréticas de Francisco em algumas de suas ações públicas, especialmente a promoção de certos prelados. “Ao elogiar publicamente indivíduos que dedicaram suas carreiras a se opor ao magistério da Igreja e à fé católica, e ao promover e cometer crimes condenados pela revelação divina e pela lei natural, [o papa] comunica a mensagem de que as crenças e as ações desses indivíduos são legítimas e louváveis”, escrevem. Eles não mencionam se eles também usam um tabuleiro Ouija para discernir o que as ações do papa comunicam ou não.
Os três estadunidenses mencionados entre esses prelados malignos são o cardeal Blase Cupich, o ex-cardeal Theodore McCarrick e o cardeal Donald Wuerl. Cupich foi nomeado bispo de Rapid City, Dakota do Sul, por João Paulo II. Posteriormente, ele foi transferido para Spokane, Washington, pelo Papa Bento XVI. Francisco transferiu-o para Chicago. A nomeação inicial de Cupich para Rapid City foi um sinal de que João Paulo II era um herege? Bento XVI é um herege por mandá-lo para Spokane?
McCarrick foi primeiro nomeado como bispo auxiliar pelo Papa Paulo VI, mas foi promovido a Metuchen, Nova Jersey, por João Paulo II, que o promoveu ao arcebispado de Newark, Nova Jersey, depois à Arquidiocese de Washington e, por fim, criou-o cardeal. McCarrick se aposentou sete anos antes de Francisco ser eleito. Por que a carreira de McCarrick é uma prova da heresia de Francisco?
João Paulo II, na verdade, ordenou o cardeal Wuerl como bispo e, depois, nomeou-o como bispo de Pittsburgh. Bento XIV nomeou-o para Washington e fez dele um cardeal. Mais uma vez, esses papas anteriores devem ser confrontados com a acusação de heresia por essas ações? Isso é um completo absurdo.
Esse absurdo fica ainda mais evidente na próxima seção da acusação, em que a carta aberta alega mais casos de Francisco se comportando de forma heterodoxa. Por exemplo, durante o Sínodo dos Jovens no ano passado, Francisco “usou uma cruz distorcida com as cores do arco-íris, sendo o arco-íris um símbolo popularmente promovido pelo movimento homossexual”. Lembro-me de que Frédéric Martel, em seu livro lascivo sobre a homossexualidade no Vaticano, também discerniu a importância homossexual em um guarda-chuva com as cores do arco-íris na Domus Sanctae Marthae. Mas o arco-íris não é o sinal da aliança de Deus com Noé? E agora não é também um símbolo do movimento pela paz? Infelizmente, esses ativistas anti-Francisco e virulentamente antigay, assim como o abertamente homossexual Martel, veem a homossexualidade por toda a parte.
A carta condena o papa pelo seu acordo com a China, declarando erroneamente que o governo chinês pode escolher bispos, quando, na verdade, o governo os nomeia, um procedimento que foi seguido por grande parte do Ocidente por muitos séculos, quando governantes não apenas nomeavam os bispos, mas também uma grande variedade de autoridades eclesiais. Roma, na época, assim como agora, deve confirmar as nomeações – ou não. Além disso, isso é diplomacia, não um dogma, então por que essa acusação é evidência de heresia?
Mas não é nada ingênuo até onde essa multidão leva a sua oposição ao Santo Padre. Aqui no NCR temos uma longa história de crítica aos papas por certas decisões, mas nunca os acusamos de heresia e nunca os convocamos a serem expulsos. Tom Fox, que tem sido editor ou membro do conselho do NCR desde 1980, me disse:
”Eu posso dizer categoricamente que nenhum escritor de qualquer uma das nossas publicações, nesses 39 anos, jamais chamou um dos nossos papas de herege. Como católico, esse pensamento é, basicamente, um oximoro. Ah, sim, fizemos críticas de bispos e papas. Nós vemos a nós mesmos, às vezes, como uma oposição leal. Nos períodos em que fazemos críticas, também oferecemos elogios. Nós criticamos fortemente, por exemplo, quase sozinhos, nos anos 1980, o comportamento sexualmente abusivo dos padres e a cumplicidade dos bispos nesse abuso. Mas sempre criticamos com um senso de lealdade e de esperança pela reforma. Ninguém pode nos separar do vigário de Cristo. Nós somos católicos. Nós somos o povo de Deus.”
Amém.
Você não precisa adivinhar os motivos dessa multidão. É tão evidente quanto o céu. Ou não? Assim como os críticos anteriores de Francisco, eles acreditam em uma era de ouro que nunca existiu. Eles visualizam uma Igreja que nunca existiu, na qual toda a obra eclesial equivale a repetir o Catecismo do Concílio de Trento. Eles querem um tipo de certeza abrangente que não esteja disponível para nós, humanos, nesta vida. E aqueles que não veem as coisas como eles devem entrar na rodovia. Essa atitude indica uma certa insegurança, e eu sinto simpatia por aqueles para os quais esse pontificado é inquietante, assim como eu senti simpatia pelos católicos que sentiram falta do rito tridentino e acharam a missa vernacular inquietante. Mas a história segue em frente, e o Espírito, como o vento, sopra onde quer.
Feeney, lembremo-nos, agarrou-se à proposição “Extra ecclesiam nulla salus” – fora da Igreja não há salvação. Ele admitiu apenas a sua interpretação restrita dessa afirmação. Por isso, ele foi excomungado, isto é, encontrou-se fora da Igreja. Graças a Deus, ele se reconciliou com a Igreja antes de morrer. Eu espero que os signatários dessa terrível carta também pensem melhor sobre as suas táticas e as suas afirmativas.
Quando os cinco cardeais dissidentes emitiram as suas dubias, eu achei surpreendente a sua ação, mas você pode encontrar divergências profundas sobre questões importantes em quase todas as décadas da história cristã. Desta vez, eu tive uma reação diferente. Esse mesmo veneno, dirigido contra o próprio papa, leva-me a pensar que essa carta não é meramente o resultado de um desacordo com o papa, ou mesmo de um feroz desacordo. Eu me pergunto se tanto veneno, página após página de asserções tão desconectadas da realidade, não é o resultado do envolvimento desses signatários com a suspeita de que Francisco está certo, que ele chamou a Igreja de volta para o centro do querigma do Evangelho: Jesus veio proclamar e implementar a ilimitada misericórdia de Deus, e a medida da nossa receptividade a essa grande graça é o modo como cuidamos dos pobres.
Eu suspeito que, bem lá no fundo, eles sabem que Francisco está certo, e isso os assusta demais, exigindo uma conversão do coração, assim como da mente, que eles desejam desesperadamente evitar.
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