Católicos transgêneros e seus pais criticaram duramente um novo documento do Vaticano sobre gênero, intitulado “Homem e mulher os criou”, divulgado na última segunda-feira, 10 de junho.
O comentário é de Robert Shine, publicado em Bondings 2.0, 15-06-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Jane Fae, uma transgênero católica da Inglaterra, escreveu sobre o documento para o site Gay Star News. Fae descreveu a Congregação para a Educação Política,
que divulgou o documento, como “um falatório com uma influência direta
muito limitada sobre a política e a doutrina da Igreja nessa área”. Ela
disse que o documento, portanto, era “inconsequente em última análise”,
quando se trata do ensino da Igreja, mas, mesmo assim, teria
“consequências reais para pessoas reais”:
“Não é de se surpreender que, mais
uma vez, a Igreja tenha corrigido seu olhar obscuro sobre uma questão
que é difícil, divisiva e altamente sensível, mostrando pouca
consideração por quem é pisoteado no processo.
“É claro que eu sei de tudo isso. E
estou absolutamente farta de ter que me desculpar por aquilo que, na
essência, nada mais é do que uma postura mal-educada e arrogante: um
desrespeito flagrante pelas repercussões do seu pensamento em voz alta
sobre alguns dos menos poderosos da nossa sociedade.
“Porque não se engane: as palavras descuidadas custam vidas.
“E a contínua introspecção da Igreja
em torno das questões LGBTI, combinada com o seu fracasso de combinar
isso com o seu posicionamento público contra a violência anti-LGBTI,
está contribuindo diretamente para a morte e o assassinato dos meus
irmãos queer.”
A Vox publicou um artigo que cobria as reações de
outros cinco católicos transgêneros. Dois dos entrevistados disseram que
se recusaram a ler o documento, um dos quais, identificado pelo nome Cameron,
explicou: “Estou cansado de ser abusado por aqueles que supostamente
devem ser a minha família. Eu não posso mais dar espaço na minha vida
para isso”. Mas outros, como Colleen Fay e Hilary Howes, foram mais desafiadores. Colleen disse:
“Em suma, esta é uma tentativa de
retaguarda para defender uma visão católica hiperconservadora que,
especialmente à luz do escândalo dos abusos sexuais e do encobrimento
por parte da Igreja, parece quase risível, se não fosse tão trágica.
“Isso tudo me deixa no limbo
doutrinal? Bem, certamente envia um sinal de que algumas pessoas nos
altos escalões da Igreja estão tentando atrasar o relógio. No entanto,
se você me perdoar por parafrasear a fabulosa letra de Ira Gershwin, quando se trata da Igreja, ‘they can’t take that away from me’ [eles não podem tirar isso de mim]”.
Hilary disse que ela seria uma das poucas católicas
trans que ainda buscam o diálogo como a Congregação supostamente deseja,
mas achou o documento “doloroso” em geral, porque muitas pessoas
simplesmente abandonam a Igreja ou sofrem violência por causa do
documento.
O pai de uma criança católica trans, que optou por permanecer anônimo, também respondeu ao documento no jornal The Guardian. O pai anônimo escreveu que, embora o Vaticano
possa fazer reivindicações sobre as pessoas transgênero, as comunidades
locais, assim como as paróquias e as escolas católicas das suas
famílias podem, em vez disso, escolher a compaixão:
“Como eu disse no início, tenho duas
filhas adolescentes. Ambas agora frequentam a nossa escola secundária
católica local. Ambas são prósperas e felizes. O Papa Francisco
entrevê uma Igreja inclusiva – a nossa experiência como família é um
lembrete de que Deus acolhe a todos, até mesmo e especialmente aqueles
que a sociedade rejeita. A nossa comunidade é composta de pessoas que
vivem a sua fé com compaixão através das suas ações. Esse, para mim, é o
verdadeiro cristianismo.”
No início dessa semana, o Bondings 2.0 publicou uma resposta de outro pai, o diácono Ray Dever,
que tem uma filha trans e está “profundamente preocupado que haverá
muitos estudantes transgêneros e suas famílias e amigos que se sentirão
feridos por esse documento e suas recomendações”.
Esses católicos trans e suas famílias são precisamente aqueles que o Vaticano deveria ter escutado antes de publicar o documento “Homem e mulher os criou”,
que, apesar das suas pretensões de buscar o diálogo, omitiu
completamente as intuições das experiências vividas pelas pessoas reais.
Com rumores de que outro documento vaticano sobre gênero está sendo
preparado, não é tarde demais para começar a ouvir e a aprender com as
pessoas LGBTQI, para que o ensino e a política da Igreja possam ser mais
responsavelmente pastorais. De fato, uma boa teologia e as demandas da
justiça exigem isso.
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