Por Gilmar Pereira*
A idolatria do passado não é diferente da de hoje, que busca sacrificar crianças para acalmar mercado.
Uma das divindades descritas na Bíblia que causam mais terror no
imaginário popular é Moloch. Crianças eram sacrificadas ao deus dos
amonitas, povo que habitava a região cananeia, e tais práticas foram
consideradas abomináveis aos hebreus, repulsa que também chega aos
homens e mulheres de hoje.
No ventre da estátua de Moloch havia uma cavidade onde um fogo era acesso e bebês lançados para serem queimados vivos. Tais rituais, que buscavam agradar a divindade, visavam, entre outras coisas, a vitória nas guerras. Sacrificavam-se crianças para o bem do povo.
Por esses e outros motivos, a tradição judaica entendeu que compreender Deus segundo o homem seria fazer dele a imagem humana. E isso acarreta vários problemas porque, com toda a limitação humana, antropormofizá-lo seria também atribuir a ele os defeitos e maldades que temos. Assim, o interdito de não fazer uma imagem de Deus não consiste apenas em não se produzir uma estátua que o represente, mas não criar uma imagem conceitual dele.
Fixar-se nessas imagens de Deus implica no risco de se servir a essas imagens e não ao próprio Deus. O problema é que o ser humano pensa em imagens, ainda que abstratas. Por exemplo, ter o Senhor como Pai pode significar, de alguma forma, imputar-lhe uma imagem de paternidade. Dependendo do que se tem com a figura paterna, tal conceito poderia distanciar mais do que aproximar o fiel de Deus. E mesmo a Bíblia – como relato humano da experiência que faz de Deus e lê o escrito de Deus, sua Palavra, na própria história – está repleta de imagens, compreensões do Senhor.
Deus não se confunde com as imagens que se faz dele, mas pode ser conhecido no todo da Escritura. Assim, não se pode fixar na letra da Bíblia, mas no seu espírito, principalmente porque a Revelação é processual e se dá na plenitude somente no Cristo. Caso contrário, pode-se até mesmo criar uma imagem de Deus semelhante à de Moloch, principalmente em passagens como a de Segundo Reis, onde Deus envia ursas para devorarem 42 crianças porque debochavam da careca do profeta Eliseu (2Rs 2,23-25).
Obviamente Deus não pensa como os humanos e o texto de Segundo Reis é simbólico e fala de outra coisa. Essa imagem não coaduna com Jesus, autêntica visualidade de Deus, dizendo “deixai vir a mim as criancinhas” (Mt 19,13-15). Quando se faz uma imagem de Deus, vive-se por ela, o que a torna um ídolo. De todos os ídolos, o mais condenado por Jesus foi mamon, palavra hebraica que designa dinheiro, mas que, no contexto do Evangelho, soa quase entificado. “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro (mamon)” (Mt 6, 24).
O dinheiro ainda hoje é entificado numa imagem cara à economia, o mercado. Fala-se da vontade do mercado e da austeridade que os Estados devem assumir para apaziguá-lo. O mercado é voraz e ilude dizendo que o crescimento econômico trará bem-estar ao povo. Mas, para isso, pede sacrifícios. A longevidade das pessoas tornou-se problema e os idosos um peso quando aposentados. Mamon pede o sacrifício. Diz que trabalhadores têm muitos direitos, o que oneraria o empresariado. Para todos trabalharem, deveriam abrir mão de garantias fundamentais. Que se flexibilizem as relações trabalhistas, para o bem do mercado! Mamon exige sacrifícios. O último sacrifício a ser pedido é o da infância. Sacrifiquem a infância ao mercado, sacrifiquem as crianças!
O trabalho infantil não deveria ser incentivado ou tratado como algo normal. Como sempre, os interesses econômicos são camuflados de preocupação com o bem. Trabalho infantil se caracteriza pelo impedimento de vivência normal da infância em favor da criação de mão de obra barata. É diferente de um adolescente ou jovem aprendiz, que se insere num processo de aprendizado laboral. Também não é o mesmo que uma criança ajudar os pais com seus afazeres. Trabalho infantil é perda da infância e, sim, causa prejuízos ao desenvolvimento psicoafetivo e sóciocognitivo da pessoa. Brincar também gera habilidades na criança que, tendo esse direito retirado, terá uma grande lacuna.
O processo de ressignificação de algumas pessoas que superaram a duras penas o peso do labor leva ao argumento de que “foi bom para mim, vai ser bom para todo mundo”. Há quem sofra de uma espécie de síndrome de Estocolmo, aquela na qual a pessoa se apaixona pelo seu abusador. Tendo sofrido, como num esforço para justificar e assumir o próprio passado, romantizam a dor vivida. Outros, ainda, polarizam a discussão dizendo “antes trabalhar do que ir para as drogas”. Contudo, não há só duas opções e nem deveria haver.
No ventre da estátua de Moloch havia uma cavidade onde um fogo era acesso e bebês lançados para serem queimados vivos. Tais rituais, que buscavam agradar a divindade, visavam, entre outras coisas, a vitória nas guerras. Sacrificavam-se crianças para o bem do povo.
Por esses e outros motivos, a tradição judaica entendeu que compreender Deus segundo o homem seria fazer dele a imagem humana. E isso acarreta vários problemas porque, com toda a limitação humana, antropormofizá-lo seria também atribuir a ele os defeitos e maldades que temos. Assim, o interdito de não fazer uma imagem de Deus não consiste apenas em não se produzir uma estátua que o represente, mas não criar uma imagem conceitual dele.
Fixar-se nessas imagens de Deus implica no risco de se servir a essas imagens e não ao próprio Deus. O problema é que o ser humano pensa em imagens, ainda que abstratas. Por exemplo, ter o Senhor como Pai pode significar, de alguma forma, imputar-lhe uma imagem de paternidade. Dependendo do que se tem com a figura paterna, tal conceito poderia distanciar mais do que aproximar o fiel de Deus. E mesmo a Bíblia – como relato humano da experiência que faz de Deus e lê o escrito de Deus, sua Palavra, na própria história – está repleta de imagens, compreensões do Senhor.
Deus não se confunde com as imagens que se faz dele, mas pode ser conhecido no todo da Escritura. Assim, não se pode fixar na letra da Bíblia, mas no seu espírito, principalmente porque a Revelação é processual e se dá na plenitude somente no Cristo. Caso contrário, pode-se até mesmo criar uma imagem de Deus semelhante à de Moloch, principalmente em passagens como a de Segundo Reis, onde Deus envia ursas para devorarem 42 crianças porque debochavam da careca do profeta Eliseu (2Rs 2,23-25).
Obviamente Deus não pensa como os humanos e o texto de Segundo Reis é simbólico e fala de outra coisa. Essa imagem não coaduna com Jesus, autêntica visualidade de Deus, dizendo “deixai vir a mim as criancinhas” (Mt 19,13-15). Quando se faz uma imagem de Deus, vive-se por ela, o que a torna um ídolo. De todos os ídolos, o mais condenado por Jesus foi mamon, palavra hebraica que designa dinheiro, mas que, no contexto do Evangelho, soa quase entificado. “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro (mamon)” (Mt 6, 24).
O dinheiro ainda hoje é entificado numa imagem cara à economia, o mercado. Fala-se da vontade do mercado e da austeridade que os Estados devem assumir para apaziguá-lo. O mercado é voraz e ilude dizendo que o crescimento econômico trará bem-estar ao povo. Mas, para isso, pede sacrifícios. A longevidade das pessoas tornou-se problema e os idosos um peso quando aposentados. Mamon pede o sacrifício. Diz que trabalhadores têm muitos direitos, o que oneraria o empresariado. Para todos trabalharem, deveriam abrir mão de garantias fundamentais. Que se flexibilizem as relações trabalhistas, para o bem do mercado! Mamon exige sacrifícios. O último sacrifício a ser pedido é o da infância. Sacrifiquem a infância ao mercado, sacrifiquem as crianças!
O trabalho infantil não deveria ser incentivado ou tratado como algo normal. Como sempre, os interesses econômicos são camuflados de preocupação com o bem. Trabalho infantil se caracteriza pelo impedimento de vivência normal da infância em favor da criação de mão de obra barata. É diferente de um adolescente ou jovem aprendiz, que se insere num processo de aprendizado laboral. Também não é o mesmo que uma criança ajudar os pais com seus afazeres. Trabalho infantil é perda da infância e, sim, causa prejuízos ao desenvolvimento psicoafetivo e sóciocognitivo da pessoa. Brincar também gera habilidades na criança que, tendo esse direito retirado, terá uma grande lacuna.
O processo de ressignificação de algumas pessoas que superaram a duras penas o peso do labor leva ao argumento de que “foi bom para mim, vai ser bom para todo mundo”. Há quem sofra de uma espécie de síndrome de Estocolmo, aquela na qual a pessoa se apaixona pelo seu abusador. Tendo sofrido, como num esforço para justificar e assumir o próprio passado, romantizam a dor vivida. Outros, ainda, polarizam a discussão dizendo “antes trabalhar do que ir para as drogas”. Contudo, não há só duas opções e nem deveria haver.
O Estado existe para garantir o bem do
povo e pagamos impostos para termos educação, saúde, segurança de
qualidade. Para isso existem políticas públicas, para o bem do povo, não
para o favorecimento puro e simples do mercado. A lógica do capital, do
lucro, que é o espírito do mercado quer dominar as consciências e tomar
posse da vida das pessoas. Ele quer ser deus acima de todos.
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