"Se na noite que precedeu a morte Jesus o havia fixado com um amor
gratuito e sem limites, agora quer provar o amor recíproco do discípulo.
Daí a insistência na pergunta: “Pedro, tu me amas?” E por três vezes o fogo volta a arder nas entranhas do pescador", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista e assessor das Pastorais Sociais.
Eis o artigo.
O paralelo se impõe. A tríplice pergunta do Ressuscitado ao líder dos discípulos – “Pedro tu me amas?”
– remete à tríplice negação na noite em que Jesus foi preso e
condenado. Nessa noite trágica, o discípulo desconhece o Mestre para
salvar-se. O Mestre, por sua vez, apenas se volta e dirige o olhar sobre
o discípulo, fazendo de conta que não o ignora, para salvá-lo. Olhar
fixo e sem nome, indescritível, onde se mesclam tristeza, amor, perdão e
misericórdia. Olhar vivo e penetrante, não para escancarar o pecado e
acusar o pecador, e sim para resgatar o segundo, arrancando-o às
armadilhas do primeiro.
Diz o texto que Pedro sai
para fora e chora amargamente. Não como alguém que acaba de deixar o
tribunal com o peso da condenação sobre os ombros, mas como quem, cheio
de arrependimento, se auto-acusa. Como quem se vê auto-excluído de um
convívio muito caro e caloroso. Excluído do afeto da própria família, ou
de uma festa de amigos. Isso não obstante o Mestre estar a caminho da
morte, e da morte atroz na cruz. Não é o olhar de Jesus que condena a
atitude do discípulo.
Ao contrário, é a a luminosidade de um amor tão infinito e compassivo
que lhe queima o coração e a consciência. Uma luz incandescente, cujos
raios e cuja transparência cristalina se convertem em fogo.
O encontro se repete após a ressurreição.
Se na noite que precedeu a morte Jesus o havia fixado com um amor
gratuito e sem limites, agora quer provar o amor recíproco do discípulo.
Daí a insistência na pergunta: “Pedro, tu me amas?” E
por três vezes o fogo volta a arder nas entranhas do pescador. Fogo tão
purificador quanto o pranto da outra vez. Diluem-se em suas chamas os
últimos resquícios do pecado, da culpa, do remorso, da auto-condenação.
Desfaz-e o gosto amargo da negação. O fogo do amor devora
definitivamente as sombras do mal e da morte. O perdão – única vingança
de Deus – oferece a oportunidade de uma superação. Pedro pode recomeçar de onde havia caído.
Feita a prova, o rude pescador está pronto para ser apóstolo. Na linguagem do Documento de Aparecida (2007),
o discípulo converte-se em missionário. Mas o faz, sem jamais deixar de
ser discípulo. Ou melhor, a expressão discípulo-missionário torna-se um
binômio indissociável. Os dois termos não podem coexistir
separadamente. Um nutre e deixa-se alimentar pelo outro. Um questiona o
outro e deixa-se interpelar por ele. Ambos se complementam e se
enriquecem contínua e reciprocamente. Mas no caso de Pedro,
as coisas vão mais longe. Ele vê-se provado pelo olhar do Mestre, antes
e depois do mistério da morte e ressurreição. Tem a oportunidade de
avaliar-se como em um espelho de luz. Por isso mesmo, além de
converter-se em apóstolo e missionário,
é chamado a ser líder de uma obra que está apenas engatinhando os
primeiros passos, mas cuja grandiosidade cobrirá boa parte do mundo.
Dessa passagem pelo “inferno da prova” deriva a resposta definitiva:
“Apascenta minhas ovelhas”!
Evidencia-se dessa forma o critério máximo para ser pastor na Igreja
nascente. Somente uma profunda e permanente relação com Jesus tempera
as fibras de qualquer candidato. Coisa que, de resto, já se tornara
muito clara na relação entre o Filho e o Pai. Basta percorrer as páginas
dos Evangelhos para dar-se conta que a intimidade com o
“Abba”, na montanha, é conditio sine qua non para a atividade de Jesus.
Na prática do Nazareno, o amor com o Pai será o alimento que o haverá
de fortalecer não só para “falar como quem tem autoridade”, mas
sobretudo para amar as suas ovelhas até as últimas consequências, como o
Bom Pastor. Se isso vale para o Mestre, que dizer dos
discípulos-missionários de todos os tempos?
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