sábado, 31 de agosto de 2019

Dom Azcona: é “alarmante” a ausência de Cristo Crucificado no Instrumentum Laboris do Sínodo




30 Ago. 19


REDAÇÃO CENTRAL, (ACI).- Em mais um artigo crítico ao Instrumentum Laboris (IL) do Sínodo para Amazônia, que decorre entre os dias 06 e 27 de outubro no Vaticano, o bispo emérito da Prelazia de Marajó (PA), Dom José Luis Azcona, chama atenção para a total ausência do elemento central do anúncio evangelizador no documento de trabalho dos padres sinodais que é a referência a Cristo Crucificado, que "não é proclamado nem lembrado uma só vez” no documento, o que, segundo o bispo leva a suspeitas “fundadas” sobre a condição cristã deste escrito.
O artigo de Dom José Azcona leva por título: “A SALVAÇÃO EM CRISTO NO INSTRUMENTUM LABORIS – IL” e foi enviado em exclusiva a ACI Digital na manhã desta sexta-feira, 30.
Dom José inagura sua reflexão afirmando que “A Igreja existe para anunciar a salvação. Esta é a sua identidade, sua graça, sua vocação.
“A Salvação é "esse grande dom de Deus que é libertação de tudo aquilo que oprime o homem e que é libertação sobre tudo do pecado e do maligno, na alegria de conhecer a Deus e de ser por Ele conhecido", afirma o prelado citando o numeral 9 da Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, de São Paulo VI.
“A evangelização tem como conteúdo essencial e sempre "a salvação em Jesus Cristo Filho de Deus, feito homem, morto e ressuscitado. Salvação que se oferece a todos os homens, culturas e povos como dom, graça e misericórdia do mesmo Deus" (EN 27). "Pela graça fostes salvos por meio da fé. Isto não vem de vós; é dom de Deus" (Ef 2,8; Rm 1,16)”. (...) “Por isso, a única Igreja de Jesus é aquela que testemunha isto. Qualquer outra igreja que não seja fiel a este testemunho é uma congregação de satanás, "pai da mentira" (Jo 8,44) e que chega também na Amazônia "para roubar, matar e dispersar" (Jo 10,10)”, escreve Dom Azcona.
Assim, o prelado recorda que a salvação cristã “não é uma salvação imanente ao mundo, limitada portanto, às necessidades humanas materiais e mesmo espirituais e que a mesma “tampouco se exaure no âmbito de uma existência temporal que se identificasse com as aspirações e esperanças das culturas e dos povos também amazônicos”.
“A Igreja de Jesus Cristo é aquela que "vai peregrinando entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus," (Agostinho, Cidade de Deus XVIII, 52,2) anunciando a cruz do Senhor até que Ele venha" (LG 8c). Esta é a mesma Igreja que "assim como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, está destinada a percorrer o mesmo caminho a fim de comunicar os frutos da salvação aos homens" (LG 8d), "para evangelizar aos pobres e libertar os oprimidos" (Lc 4,18), também da Amazônia e no "hoje" da missão amazônica (Ibid)”, esclarece Dom José.
Em seguida o prelado lança mais uma crítica ao Instrumentum Laboris, o documento que servirá de base para as reflexões do Sínodo da Amazônia em outubro: “A ausência alarmante do tema da cruz no IL levanta suspeitas fundadas sobre a condição cristã do mesmo. Cristo crucificado não é proclamado nem lembrado uma só vez”.
“Um único texto claro sobre a Igreja que anuncia o mistério de sua morte e ressurreição" (IL 115) com outro semelhante no número 123a, evidencia uma presença precária do mistério pascal e sem consequências no texto. Esta presença acanhada e periférica de Cristo crucificado que evoca a rejeição de Paulo "à sabedoria da linguagem (ICor 1,17;Gl 2,19-21) é dizer, a oposição radical a uma apresentação do evangelho como especulação do pensamento ou como discurso sobre culturas, etnias, povos, biomas, ecologia integral, diálogo sem o eixo da Cruz, torna esta estéril e anula por completo o seu poder”.
“Assim o IL "esteriliza", "anula" a cruz de Cristo "se envergonha dela" num momento histórico como este, crucial para a Igreja, para a humanidade e para a Amazônia”, assevera Dom Azcona.
Ainda segundo o emérito de Marajó, “o mais grave não é o silêncio envergonhado sobre o Cristo crucificado. É a eliminação sumária Dele ("Não queremos que Este reine sobre nós") no momento em que é necessário confessá-lo abertamente e com alegria, experimentando a coragem do Espírito para proclamar a glória Daquele que é a nossa única esperança”.
“Hoje o Crucificado é negado e renegado pelos cristãos, principalmente porque com seu voluntarismo, "entusiasmo", pragmatismo, pelagianismo de toda espécie, torna ilusória, teórica e imaginaria a soberania da cruz que distingue e faz inconfundível Jesus de Nazaré com outros fundadores de religiões, culturas, moralismos, filósofos e teólogos (não crucificados)”, asseverou.
“Nós queremos proclamar com toda a Igreja Latino Americana e do Caribe que: "Uma autêntica evangelização dos nossos povos envolve assumir plenamente a radicalidade do amor cristão que se concretiza no seguimento de Cristo na Cruz; no padecer por Cristo por causa da   justiça; no perdão e no amor aos inimigos. Esse amor supera o amor humano e participa do amor divino, único eixo cultural capaz de construir uma cultura da vida" (Dap 543)”, finalizou.

Confira na íntegra o artigo de Dom José:

A SALVAÇÃO EM CRISTO NO INSTRUMENTUM LABORIS - IL

"Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo." (Gl 6,14 )
A Igreja existe para anunciar a salvação. Esta é a sua identidade, sua graça, sua vocação.
Salvação, "esse grande dom de Deus que é libertação de tudo aquilo que oprime o homem e que é libertação sobretudo do pecado e do maligno, na alegria de conhecer a Deus e de ser por Ele conhecido" (EN 9).
A evangelização tem como conteúdo essencial e sempre "a salvação em Jesus Cristo Filho de Deus, feito homem, morto e ressuscitado. Salvação que se oferece a todos os homens,culturas e povos como dom, graça e misericórdia do mesmo Deus" (EN 27). "Pela graça fostes salvos por meio da fé. Isto não vem de vós; é dom de Deus" (Ef 2,8;Rm1,16,p assim).
Esta salvação é o próprio Jesus Cristo que salva o seu povo dos seus pecados (Mt 1,21) e que profetizada e testemunhada com a própria vida por João Batista, este é enviado a "preparar os seus caminhos anunciando ao seu povo a salvação que está na remissão dos pecados" (Lc 1,77). Esta é a salvação única anunciada em todos os salmos, na lei e nos profetas de que em Cristo sofredor que ressuscita dos mortos e que em seu Nome (obediência até a morte), seja proclamado o arrependimento para o perdão dos pecados a todas as nações, etnias e culturas, também as amazônicas.
Por isso, a única Igreja de Jesus é aquela que testemunha isto. Qualquer outra igreja que não seja fiel a este testemunho é uma congregação de satanás, "pai da mentira" (Jo 8,44) e que chega também na Amazônia "para roubar, matar e dispersar" (Jo 10,10).
"Os pastores destes grupos não foram revestidos com o Espírito da verdade, nem batizados com Ele, nem viram realizar-se ainda a Promessa do Pai no novo Pentecostes conciliar, nem experimentaram a força do Alto" (Cfr. Lc 24,44-49; At 2,38;11 15-18;26,19-23; RM 24; Ap 548-549;362).
Esta salvação não é uma salvação imanente ao mundo, limitada portanto, às necessidades humanas materiais e mesmo espirituais (EN 17).
Tão pouco se exaure no âmbito de uma existência temporal que se identificasse com as aspirações e esperanças das culturas e dos povos também amazônicos.
E a "adesão a fé" (Gl 3,2), a única que traz a salvação, é exclusivamente esta: "Nós cremos Naquele que ressuscitou dos mortos, Jesus Nosso Senhor o qual foi entregue a morte por nossos pecados e ressuscitado para a nossa salvação" (Justificação) (Rm 4,24-25).
Não há outro evangelho que este. "Não existe outro Nome no qual possamos ser salvos ( At 4,12). Evangelho que assumindo, sanando, purificando, renovando, elevando, glorificando com seu poder e sabedoria, é dizer a cruz (ICor 1,17-25) salva toda a humanidade, todos os povos, todas as culturas, toda a história. Não existe outro evangelho!. E isto se silencia no IL.
Se trata da fé. Da fé que é necessária para a salvação. A fé do Símbolo dos apóstolos esquecido pelo IL. De fato, se trata da negação da fé da Igreja, se invalida o Sínodo, se inutilizam todos os esforços para construí-lo e se estrangula de uma vez, a esperança da Amazônia e do mundo.
Em concreto, a esperança proclamada no IL não é a esperança cristã (Hb 11,1); de fato é a negação expressa da "grande esperança" (Spe Salvi). Uma esperaça que "confunde e decepciona" (Cfr Rm 5,5), que fecha de uma vez e para sempre o futuro da Amazônia e do mundo.
Acaba com os "novos caminhos" para a Igreja na Amazônia porque nega o amor de Deus que faz inabalável a esperança (Ibid), sequestrando a cruz de Cristo, única identidade do amor na história e no mundo (Rm 5,6-11).
Sabemos pela fé que esta esperança que não decepciona, é Cristo e Cristo crucificado. "Ave Crux, Spes única!" (Salve Cruz,única esperança).
"Esta salvação ressoou no Sínodo dos Bispos (2002) e deve continuar a ressoar em nossos lábios porque a cruz é mistério de morte e de vida. Anunciamos que na árvore da cruz a vida venceu o inferno" (Cfr Pastores Gregis 5).
A falta de alegria missionária e esta ausência da "grande esperança" evidenciam a negação da cruz de Cristo.
Assim, a missão da Igreja hoje e especialmente na Amazônia fica absolutamente esvaziada e anulada: "A Igreja dos profetas das testemunhas e dos servidores da esperança"(Ibid) estamos tragicamente diante de uma recaída fatal, portanto, no paganismo,"para quem não há esperança"(Ef 2,12-14).
Analisemos nestes tempos conturbados as regras de discernimento cristão que dirige a Igreja.
1. As Instituições da Igreja: Dioceses, paróquias, CEBs, Novas Comunidades, Grupos, Estruturas estão vivas e portanto são missionárias enquanto nos convidam, chamam, animam e ajudam a seguir o Senhor Jesus até o calvário."Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz a cada dia e síga-me" (Lc 9,23).
2. A verdadeira unidade eclesial assim como as divisões entre nós,também diante do Sínodo, dependem disso: até onde servimos nós ao Senhor Jesus, seguindo-o com a cruz nos ombros e até onde Ele, enquanto crucificado é negado, renegado por nós em nome da religião, das estruturas eclesiais, da organização, do meu organograma pastoral, do "meu" Sínodo?
3. Proclamar no Sínodo a fé em Jesus de Nazaré como Filho de Deus e Messias (Mt 16) não salva a ninguém. Até podemos merecer o nome de satanás (Como Pedro) se pensamos Nele como os homens e não como Deus.
4. Assim, a comunhão na Igreja será uma encenação vã que representará uma comunidade de homens e mulheres devotos, piedosos, unidos por rituais de rara solenidade, sem vigor missionário,bem longe do povo de Deus vivo, resgatado e reunido pelo sangue do Cordeiro e no Corpo de Cristo. A Comunidade de Cristo está dividida e deixa de ser missionária quando esquece a sua identidade mais profunda: Estar crucificada com Cristo (Rm 6,6; Gl 2, 19; ICor 1-13)
5. Hoje o Crucificado é negado e renegado pelos cristãos, principalmente porque com seu voluntarismo, "entusiasmo", pragmatismo, pelagianismo de toda espécie, torna ilusória, teórica, imaginaria a soberania da cruz que distingue e faz inconfundível Jesus de Nazaré com outros fundadores de religiões, culturas, moralismos, filósofos e teólogos (não crucificados).
Nós queremos proclamar com toda a Igreja Latino Americana e do Caribe que: "Uma autêntica evangelização dos nossos povos envolve assumir plenamente a radicalidade do amor cristão que se concretiza no seguimento de Cristo na Cruz; no padecer por Cristo por causa da justiça; no perdão e no amor aos inimigos. Esse amor supera o amor humano e participa do amor divino, único eixo cultural capaz de construir uma cultura da vida" (Ap 543). Portanto, evangelizar a Amazônia, através da "conversão ecológica", na experiência e na vivência apaixonada das exigências da "ecologia integral" é abrir um futuro de esperança firme para ela e para o mundo.
Hoje, dia do martírio de São João Batista "o maior dos profetas", São Beda Venerável comentando seu martírio nos diz:" O perseguidor não lhe disse que negasse a Cristo, mas que calasse a verdade.Cristo disse: "Eu sou a verdade"  (Jo 14,6). Por conseguinte, morreu por Cristo, já que derramou o seu sangue pela verdade" (Homilia 23)

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