sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Religião cristã e dinheiro: considerações sobre não servir a dois senhores

[domtotal]
Por Felipe Magalhães Francisco

Fora do Reino, toda expectativa cristã é vã e vazia, mas considerável parte das igrejas cristãs cedeu às artimanhas do capitalismo.

 


“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade – diz Coélet – vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Ecl 1,2). A tradução em português, numa olhada rápida, não revela tão bem o significado do que o autor do Eclesiastes diz no começo de sua obra. Efemeridade das efemeridades, tudo é efemeridade... Vento dos ventos, tudo é vento. A palavra que traduzimos, do hebraico, para o português é ḥebel, que literalmente significa vento (daí o nome de Abel, aquele que tem a vida que passa como o vento...).
Tudo passa! Essa é a mensagem de sabedoria do livro do Eclesiastes e que a tradição primitiva cristã apreendeu tão bem, a propósito do ensinamento de Jesus. De que adianta juntar tesouros que a traça vem e corrói, ou que o fogo devora? Buscar primeiro o Reino e sua justiça e crer que tudo o mais será acrescentando deve ser a inspiração cristã. Fora do Reino, toda expectativa cristã é vã e vazia: não passa de vaidade, vento...
Vivemos tempos em que o lucro é o imperativo que move as aspirações de quem possui riquezas. Para a imensa massa, 99% da população mundial, as promessas do capitalismo não passam de ilusão. Incutiu-se o pensamento de que, diante da motivação e do esforço, pode-se alcançar riquezas. Bem sabemos que não é assim. O resultado, além da pobreza institucionalizada e planejada, é uma geração de pessoas desesperançadas e abatidas, porque não veem resultados em seus próprios esforços.
Considerável parte das igrejas cristãs cedeu às artimanhas do capitalismo. O capitalismo tem estruturas simbólicas que são religiosas e acabou por cooptar a religião. Teologiza-se sobre a riqueza, como se fosse bênção: eis a teologia da prosperidade, que vai absolutamente na contramão do que pregava Jesus. Dessa forma, a pobreza se torna sinal de maldição, o que acaba como justificativa divina para aquilo que, na realidade, não passa de uma estrutura injusta que desumaniza a maior parte das pessoas.
O cristianismo precisa pensar as relações financeiras no horizonte do Reino de Deus. Toda pessoa tem o direito de viver de forma digna e justa. Também as religiões e igrejas demandam de recursos financeiros para proverem suas atividades. Tudo isso, repito, deve ser lido na óptica do Reino de Deus: o que possuímos – em última instância, dom de Deus – deve ganhar um caráter de solidariedade. Na mesma dinâmica, todo recurso financeiro das igrejas cristãs deve estar relacionado ao exercício do anúncio do Reino de Deus. Fora disso, não passa de corrupção – divisão do coração! – e, por sua vez, idolatria!
Os cristãos e cristãs, e as próprias igrejas cristãs, precisam servir a um único Senhor, colocando o dinheiro no lugar que deve ocupar na vida e nas relações: ele é um meio, e não um fim! É nessa perspectiva que se inserem os três artigos que compõem nosso Dom Especial desta semana!
César Thiago do Carmo Alves propõe o artigo Capitalismo e Religião, no qual pensa a economia de mercado, vigente em nossas sociedades, em seu aspecto de religião, que se manifesta como idolatria. Daniel Couto traz a reflexão para o horizonte da pessoa, no artigo Irmão, onde está o seu tesouro?, em que reflete a respeito de que a compulsão pelo dinheiro é desumanizante e, diante disso, o autor nos convida a uma outra perspectiva, inspirada naquilo que Jesus ensina, sem que caiamos na demonização do recurso como meio. Por fim, Teófilo da Silva, no artigo Ai de vós!, propõe sua reflexão a partir da responsabilidade das lideranças religiosas, em inspirar em seus pastoreados um caminho de encontro com a Palavra de Deus, e não na incitação de cultos desvinculados com a justiça.
Não caiamos na vaidade, servindo a dois senhores, vivamos com sabedoria! Boa leitura! 

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