Entre as propostas dos bispos,
que o pontífice é chamado a traduzir em disposições oficiais, há o
reconhecimento da “ministerialidade que Jesus reservou para as
mulheres”, uma comissão que elabore um “rito amazônico”
e a definição de um novo pecado: aquele cometido “contra as gerações
futuras” com “atos e hábitos de contaminação e destruição da harmonia do
ambiente”.
A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, 27-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Será o Papa Francisco quem vai determinar se e como receber a abertura aos padres casados feita pelo Sínodo especial dos bispos sobre a Amazônia. Bergoglio
já anunciou que espera publicar a sua exortação apostólica pós-sinodal
até o fim 2019, um documento no qual comunicará as suas decisões a
respeito do documento final aprovado pelo Sínodo, com uma necessária maioria de dois terços.
Os bispos pediram ao papa “estabelecer critérios e disposições” para
“ordenar sacerdotes a homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que
tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada
para o presbiterado, podendo ter família legitimamente constituída e
estável, para sustentar a vida da comunidade cristã mediante a pregação
da Palavra e a celebração dos Sacramentos nas zonas mais remotas da
região amazônica”. Cabe destacar também que, nessa proposta, “alguns se
pronunciaram a favor de uma abordagem universal do tema”.
Portanto, agora caberá a Bergoglio não apenas
receber essa indicação, mas também traduzi-la em normas canônicas. E
estabelecer se ela valerá apenas para a região amazônica ou se outras
realidades do mundo católico também poderão adotar esse caminho para
compensar a falta de clero.
Os tempos, portanto, como o próprio Francisco anunciou no fim do Sínodo, não deverão ser longos, e ainda em 2020 poderia haver na Amazônia diáconos permanentes ordenados padres.
Uma decisão que não agradou a todos os colaboradores mais próximos de Bergoglio. Um purpurado chefe de dicastério comentou que, “claramente, o Sínodo foi instrumental, também nas intenções. Fizemos um Sínodo sobre os povos da Amazônia, que são os primeiros a rejeitar o cristianismo, e não um Sínodo, por exemplo, sobre os cristãos do Oriente Médio, que são sempre rejeitados por causa do cristianismo”.
Mas as decisões dos Padres sinodais também tocam muitos outros temas. Se, por um lado, fechou-se a porta, pelo menos por enquanto, ao diaconato feminino, por outro, existe, porém, o reconhecimento da “ministerialidade que Jesus reservou para as mulheres”.
Daí o pedido “para que também mulheres adequadamente formadas e
preparadas possam receber os ministérios do Leitorado e do Acolitado,
entre outros a serem desenvolvidos. Nos novos contextos de evangelização
e pastoral na Amazônia, onde a maioria das comunidades
católicas são lideradas por mulheres, pedimos que seja criado o
ministério instituído da ‘mulher dirigente da comunidade’ e reconhecer
isso dentro do serviço das exigências da evangelização em mudança e da
atenção às comunidades”.
“O novo órgão da Igreja na Amazônia – diz o documento final
– deve constituir uma comissão competente para estudar e dialogar,
segundo usos e costumes dos povos ancestrais, a elaboração de um rito
amazônico que expresse o patrimônio litúrgico, teológico, disciplinar e
espiritual amazônico, com especial referência àquilo que a Lumen gentium afirma para as Igrejas orientais. Isso – explicam os Padres sinodais
– se somaria aos ritos já presentes na Igreja, enriquecendo a obra de
evangelização, a capacidade de expressar a fé em uma cultura própria e o
senso de descentralização e de colegialidade que pode expressar a
catolicidade da Igreja. Também se poderia estudar e propor como
enriquecer ritos eclesiais com o modo pelo qual esses povos cuidam do
seu território e se relacionam com as suas águas.”
Outra proposta é a de “criar um observatório socioambiental pastoral,
fortalecendo a luta pela defesa da vida. Realizar um diagnóstico do
território e dos seus conflitos socioambientais em cada Igreja local e
regional, para poder assumir um posicionamento, tomar decisões e
defender os direitos dos mais vulneráveis”.
“Como forma de reparar a dívida ecológica que os países têm com a Amazônia
– afirma o documento final – propomos a criação de um fundo mundial
para cobrir parte dos orçamentos das comunidades presentes na Amazônia que
promovem seu desenvolvimento integral e autossustentável e assim,
também, protegê-las da ânsia predatória de querer extrair seus recursos
naturais por parte das empresas nacionais e multinacionais.”
“Propomos – afirmam ainda os Padres sinodais – definir o pecado ecológico
como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o
ambiente. É um pecado contra as futuras gerações e se manifesta em atos
e hábitos de contaminação e destruição da harmonia do ambiente,
transgressões contra os princípios da interdependência e a ruptura das
redes de solidariedade entre criaturas e contra a virtude da justiça.
Também propomos criar ministérios especiais para o cuidado da ‘casa comum’ e a promoção da ecologia integral
em nível paroquial e em cada jurisdição eclesiástica, que tenham como
funções, entre outras, o cuidado do território e das águas, assim como a
promoção da encíclica Laudato si’”.
Por fim, outra denúncia: “É escandaloso que se criminalizem os
líderes e até as comunidades pelo simples fato de reivindicar seus
próprios direitos. Em todos os países amazônicos, existem leis que
reconhecem os direitos humanos, em especial os dos povos indígenas.
Nos últimos anos, a região amazônica viveu complexas transformações,
nas quais os direitos humanos das comunidades foram impactados por
normas, políticas públicas e práticas focadas principalmente na
ampliação das fronteiras extrativas de recursos naturais e no
desenvolvimento de megaprojetos de infraestrutura, os quais exercem
pressão sobre os territórios ancestrais nativos.”
Daí também uma advertência à Igreja: “Todos somos
convidados a nos aproximar dos povos amazônicos de igual para igual,
respeitando sua história, suas culturas, seu estilo do ‘bem viver’.
O colonialismo é a imposição de determinados modos de vida de alguns
povos sobre outros, tanto econômica, cultural ou religiosamente.
Rejeitamos uma evangelização de estilo colonialista”.
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