1) Introdução.
A
experiência nos mostra que todo homem que viveu uma vida plena sempre teve um
ideal em direção ao qual orientava os esforços de sua existência, isto é, um
horizonte que ele via despontando ao longe e em direção ao qual ele se dirigia.
Não é difícil para as pessoas entenderem isto, porque trata-se de um fato muito
comum para todos. Aqueles que não têm nenhum horizonte em direção ao qual
caminhar são pessoas que na prática aparentam parecem ter perdido a razão de
viver e já terem morrido por antecipação. Não é isto, porém, o que ocorre o
mais freqüentemente. Ainda que não o consigamos expressar com palavras exatas,
quase todos nós temos no íntimo de nosso ser alguma meta que escolhemos e em
direção à qual dirigimos nossa existência. Quando ocorre que esta meta é para
nós mais clara, às vezes a chamamos de ideal.
Jesus,
ao nos anunciar o Evangelho, disse ter vindo ao nosso encontro para que nós
pudéssemos ter uma vida abundante. A natureza humana, porém, é tal que Jesus
não poderia ter dito isso seriamente sem que, ao mesmo tempo, nos tivesse
ensinado qual é o ideal mais perfeito que a vida humana pode abraçar, aquele
ideal sem o qual é impossível alcançar a vida plena e abundante de que ele nos
fala.
Muitos,
quando ouvem o Evangelho falar a este respeito, percebem que o ideal de Jesus é
diferente, e freqüentemente muitíssimo diferente, dos seus próprios ideais.
Neste caso, se temos verdadeiro interesse em nossa própria felicidade, Jesus
nos pede que renunciemos aos ideais que erroneamente escolhemos e abracemos os
que ele nos mostra.
Infelizmente
para os homens, na grande maioria dos casos, senão mesmo na quase totalidade
dos casos, as metas da vida de cada um, aquelas coisas em função das quais e
para as quais todos vivem, se reduzem aos prazeres da vida sexual e às
comodidades que podem ser obtidas através do dinheiro. Algumas raras vezes há
também alguma outra coisa mais elevada, mas não muito mais do que estas duas de
que acabamos de falar; de qualquer maneira, trata-se praticamente sempre de
horizontes muito menores do que aquilo para o qual Deus nos quer chamar a
atenção. Sexo e dinheiro, costumam ser os mais elevados ideais que orientam a
vida da quase totalidade dos seres humanos.
Ora,
se quisermos ser verdadeiramente discípulos de Jesus, ele nos ensina que, em
primeiro lugar, além de renunciarmos ao pecado, temos que renunciar também a
estas baixíssimas metas como sendo o horizonte de nossas vidas. Estes dois
ideais têm sido os responsáveis por ter colocado a quase totalidade dos homens
em uma trajetória cega ao longo da qual não existe nenhuma possibilidade de
despontar a verdadeira felicidade. Para aqueles homens de boa vontade, que
quiserem escutá-lo e quiserem confiar nele, Jesus nos ensina dois outros ideais
muito mais elevados do que estes, aqueles que podem efetivamente nos conduzir à
felicidade sem fim que ele nos promete.
Jesus
nos apresenta seus dois grandes ideais quando nos fala dos dois maiores
mandamentos. Estes dois maiores mandamentos são muito mais do que apenas dois
mandamentos; são na realidade os dois grandes ideais da vida cristã, aqueles
que devem substituir o do sexo e o do dinheiro. São eles o amor a Deus e o amor
ao próximo. No lugar de sexo e dinheiro Jesus nos ensina que, se quisermos ser
felizes e conquistar a verdadeira vida, temos que fazer com que aquilo a que
mais almejamos, aquilo que mais desejamos e em função do qual tudo fazemos
sejam amar a Deus e ao próximo. Este foi o assunto da segunda aula deste curso
sobre as Sagradas Escrituras.
Dissemos,
ademais, que o amor a Deus se realiza na prática através do trabalho de nossa
santificação, sem o qual se torna impossível amar a Deus; e que o amor ao
próximo alcança sua verdadeira perfeição através do ensino, que é, para Jesus,
a maior prova de amor que ele quer de nós. Ensinar foi a última coisa que Jesus
recomendou aos seus discípulos quando se despediu definitivamente deles: "Ide,
e ensinai a todos os povos", disse então Jesus. Ora, nós
costumamos sempre recomendar por último aquilo que nos é mais querido ao
coração.
Amar
a Deus e ensinar, são, pois, os grandes ideais da vida cristã. Não há modo de
se amar a Deus senão buscando-se a santidade, e não há outra coisa que diga
respeito ao nosso próximo que Jesus nos tenha pedido tão entranhadamente quanto
ensinar.
Há
pessoas, como talvez possa ter sido o jovem rico de que fala o Evangelho de São
Marcos, que procuram cumprir os mandamentos da lei de Deus, como são o honrar
pai e mãe, o não matar, o não roubar, o não cometer adultério, e outros, e que
também contribuem com algum dinheiro para alguma obra de beneficência, mas
que, mesmo assim, são movidos na maior parte das coisas importantes que fazem
pela busca do prazer da vida sexual e das comodidades que podem ser obtidas através
do dinheiro. Não se pode dizer que estas pessoas sejam cristãs no mais próprio
sentido do termo. Elas ainda não entenderam verdadeiramente o que Jesus
ensinava. E é difícil inclusive que elas perseverem até na simples prática dos
mandamentos. Quando se buscam as coisas da terra, as coisas da terra exigem
mais coisas da terra; assim também, quando se buscam as coisas do céu, as
coisas do céu trazem consigo mais coisas do céu. "É mais fácil um camelo
passar pelo fundo de uma agulha", diz Jesus, do que uma pessoa
como esta entrar no Reino de Deus (Marc. 10,25).
O
que vamos examinar em seguida é o modo pelo qual a nossa santificação e a
missão de ensinar podem se tornar realidade dentro do plano que Deus tem para
os homens. Um plano que Ele já havia preparado desde antes da criação do mundo.
Ambas estas coisas, conforme veremos, somente são possíveis mediante a graça do
Espírito Santo. Mas, para entender como através dela a santificação e o ensino
são possíveis, precisamos entender primeiro o que é a graça do Espírito Santo.
2) Jesus promete o Espírito Santo.
Texto de João 14, 15-25.
"Se me amais, observareis os meus mandamentos; e eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Consolador, para que fique eternamente convosco, o Espírito da verdade, a quem o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco e estará em vós.
Não vos deixarei órfãos; voltarei a vós.
Resta ainda um pouco, e depois o mundo me não verá. Mas ver-me-ei vós, porque
eu vivo, e vós vivereis. Naquele dia vós conhecereis que eu estou em meu Pai, e
vós em mim, e eu em vós. Aquele que retém os meus mandamentos e os guarda, esse
é que me ama; e aquele que me ama, será amado por meu Pai, e eu o amarei, e me
manifestarei a ele.
Disse-lhe Judas, não o Iscariotes:
Senhor, qual é a causa por que te hás de manifestar a nós, e não ao mundo?
Respondeu Jesus, e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu
Pai o amará, e nós viremos a ele, e faremos nele morada. O que não me ama, não
observa as minhas palavras. E a palavra que ouvistes, não é minha, mas do Pai,
que me enviou. Eu disse-vos estas coisas, permanecendo convosco; mas o
Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, ele vos
ensinará todas as coisas, e vos recordará tudo o que vos tenho dito".
3) O cumprimento da promessa de Jesus.
Texto de Atos 1,1-5; 2,1-47.
"Na primeira narração, ó Teófilo, falei de todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em que tendo dado as suas instruções por meio do Espírito Santo aos apóstolos que tinha escolhido, foi arrebatado; aos quais também se manifestou vivo, depois da sua Paixão, com muitas provas, aparecendo-lhes por quarenta dias, e falando do reino de Deus.
Estando à mesa com eles, ordenou-lhes
que não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, a
qual ouvistes, disse ele, da minha boca; porque João na verdade batizou em
água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo daqui a poucos dias.
Quando se completaram os
dias do Pentecostes, estavam todos juntos no mesmo lugar; e, de repente, veio
do céu um estrondo, como de vento que soprava impetuoso, e encheu toda a casa
onde estavam sentados. E apareceram-lhe repartidas umas como línguas de fogo, e pousou sobre cada um deles.
Foram todos cheios do Espírito Santo, e começaram a falar várias línguas,
conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.
Estavam então residindo em Jerusalém
judeus, homens religiosos de todas as nações que há debaixo do céu. Logo que se
deu este ruído, acudiu muita gente, e ficou pasmada, porque cada um os ouvia
falar na sua própria língua. Estavam, pois, todos atônitos, e admiravam-se,
dizendo: Porventura não são galileus todos estes que falam? Como é que os
ouvimos cada um de nós na nossa língua, em que nascemos? Partos, medos,
elamitas, e os que habitam a Mesopotâmia, a Judéia, a Capadócia, o Ponto e a
Àsia, a Frígia e a Panfília, o Egito e várias partes da Líbia, que é vizinha de
Cirene, e os vindos de Roma, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes;
os ouvimos falar nas nossas línguas das maravilhas de Deus. Estavam todos
atônitos e fora de si, dizendo uns para os outros: Que quer isto dizer? Outros,
porém, escarnecendo, diziam: Estão cheios de mosto.
Então Pedro, apresentando-se com os
onze, levantou a voz, e disse-lhes: Homens judeus, e vós todos os que habitais
em Jerusalém, seja-vos isto conhecido, e com ouvidos atentos ouvi as minhas
palavras. Estes homens não estão embriagados, como vós cuidais, sendo a hora
terceira do dia; mas isto é o que foi predito pelo profeta Joel: E
acontecerá nos últimos dias, diz Deus, que eu derramarei o meu Espírito sobre
toda a carne, e profetizarão vossos filhos e vossas filhas, e os vossos jovens
terão visões, e os vossos anciãos sonharão sonhos, e naqueles dias derramarei
do meu Espírito sobre os meus servos e sobre as minhas servas, e profetizarão.
Farei ver prodígios em cima no céu, e sinais embaixo da terra, sangue, fogo e
vapor de fumo. O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que
venha o dia grande e glorioso do Senhor. Então acontecerá que todo aquele que
invocar o nome do Senhor será salvo.
Varões israelitas, ouvi estas palavras:
a Jesus Nazareno, homem acreditado por Deus entre vós, por meio de milagres,
prodígios e sinais, que Deus operou por meio dele entre vós, como vós mesmos
sabeis, este homem que foi entregue, segundo os desígnios e a presciência de
Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos. Mas Deus o
ressuscitou, e livrou dos laços da morte, porquanto era impossível que por esta
fosse retido. Porque Davi diz dele: Eu tinha sempre o Senhor diante de mim,
porque Ele está à minha direita, para que eu não seja abalado. Por isto se
alegrou o meu coração, e exultou a minha língua, e, além disto, a minha carne
repousará na esperança, porque não abandonarás a minha alma na habitação dos
mortos, nem permitirás que o teu Santo experimente a corrupção. Ensinaste-me os
caminhos da vida, e me encherás de alegria com a vista da tua face.
Irmãos, seja-me
permitido dizer-vos francamente do patriarca Davi, que ele morreu, e foi
sepultado, e o seu sepulcro está entre nós até o dia de hoje. Sendo ele, pois,
profeta, e sabendo que Deus lhe tinha prometido com juramento que um da
sua descendência se sentaria sobre o seu trono (Salmo 88,4-5; 131,11),
profeticamente falou da ressurreição de Cristo, que não seria deixado na
habitação dos mortos, nem sua carne seria sujeita à corrupção.
A este Jesus ressuscitou Deus, do que todos nós somos testemunhas. Elevado ele,
pois, pela destra de Deus, e tendo recebido do Pai o Espírito Santo, que tinha
prometido, ele o derramou como vós vedes e ouvis. Porque Davi não subiu ao céu,
mas ele mesmo disse: O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à
minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés
(Salmo 109,1). Saiba, pois, toda a casa de Israel com a maior certeza que Deus
constituíu Senhor e Cristo a este Jesus, a quem vós crucificastes.
Ao ouvir estas coisas, ficaram
compungidos no seu coração, e disseram a Pedro e aos outros apóstolos: Que
devemos fazer, irmãos? Pedro disse-lhes: Fazei penitência, e cada um de vós
seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão de vossos pecados; e
recebereis o dom do Espírito Santo. Porque a promessa é para vós e para os
vossos filhos, e para todos os que estão longe e para quantos o nosso Deus
chamar. E, com outras muitíssimas palavras, os persuadia e exortava, dizendo:
Salvai-vos desta geração perversa. Os que receberam a sua palavra foram
batizados; e ficaram agregadas naquele dia cerca de três mil pessoas.
Perseveravam na doutrina dos apóstolos,
nas reuniões comuns, na fração do pão e nas orações. Toda a gente estava com
temor; eram também realizados pelos apóstolos muitos prodígios e maravilhas em
Jerusalém, e em todos havia um grande medo. Todos os que criam estavam unidos,
e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e
distribuíam o preço por todos, segundo a necessidade que cada um tinha. Todos
os dias frequentavam em perfeita harmonia o templo, e, partindo o pão pelas
casas, tomavam a comida com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus,
e sendo bem vistos por todo o povo. O Senhor aumentava cada dia mais o número
dos que estavam no caminho da salvação".
4) Jesus compara a graça do Espírito Santo à água viva.
Texto de João 7,37-39.
"No último dia, o maior da festa, estava Jesus em pé, e em alta voz dizia: Se alguém tem sede, venha a mim e beba. O que crê em mim, como diz a Escritura, do seu seio correrão rios de água viva. Ora, ele dizia isto falando do Espírito que haviam de receber os que cressem nele; porque ainda não tinha sido dado o Espírito, por não ter sido ainda glorificado Jesus".
5) Jesus dá aos seus discípulos o poder de se tornarem filhos de Deus.
Texto de João 1,12-13.
"Mas a todos os que o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, àqueles que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus nasceram".
6) Quem são os filhos de Deus.
Texto de Rom.8,14.
"Todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus".
7) Diálogo de São Serafim com Motovilov.
Explicação inicial.
Muitos
anos atrás, em 1832, em uma floresta da Rússia central, nas proximidades do
mosteiro de Sarov, travou-se um notável diálogo entre um sacerdote e um leigo,
preservado até os dias de hoje. O sacerdote, que era também monge, chamava-se
Serafim; hoje padre Serafim está no céu, e é um dos santos mais conhecidos da
Igreja Russa.
Muito
antes de ser sacerdote, Serafim se preocupou, como nos ensina o Evangelho, em
buscar em primeiro lugar ao Reino de Deus; e foi para poder dedicar-se mais
completamente a Deus que ingressou aos dezenove anos no mosteiro de Sarov, onde
se tornou monge, depois diácono e sacerdote, entregando-se profundamente à vida
de oração.
Padre Serafim morreu aos
74 anos, em 1883, mas dois anos antes de seu falecimento encontrou um leigo, na
época um homem casado, chamado Nicolas Motovilov, o qual em sua juventude
também havia sido tocado pela graça divina. Deus lhe havia concedido perceber,
durante algum tempo, que parecia haver algo de muito profundo atrás da aparente
simplicidade das palavras do Evangelho. Nicolas Motovilov começou então a
perguntar às autoridades da Igreja qual era a essência e a finalidade do ideal
de vida ensinado por Jesus, mas não recebeu por parte destas pessoas nenhuma
resposta mais precisa. Alguns chegaram a aconselhar ao jovem que parasse de se
preocupar com estas questões e se limitasse a freqüentar a Igreja como todas as
demais pessoas. Porém mais tarde as preocupações da vida engolfaram Motovilov e
ele acabou se esquecendo da busca de Deus. Viveu como se vive na sociedade.
Pecou e sofreu.
Continua....
Nenhum comentário:
Postar um comentário