Por José Tolentino Mendonça
O excerto de 1
Coríntios 1, 25 — «Pois a loucura de
Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os
homens» — provoca desde sempre, tanto ao
longo dos séculos como no tempo presente, a mesma inesgotável admiração. Nele o
apóstolo trata nada menos que o desconcertante tema da fragilidade de Deus,
fazendo-o de maneira inesquecível.
Não faltam as
traduções que tentam ocultar a dificuldade, procurando mascarar o seu
desconforto com perífrases e sintaxes forjadas justamente para evitar a
linguagem da «loucura de Deus» ou da «fraqueza de Deus», preferindo um
dispositivo moderador: «o que os homens acreditam ser loucura», «o que é
considerado fraqueza».
O ponto é que a
literalidade de 1 Coríntios 1, 25 levanta muitas questões perturbadoras.
Um dos comentários clássicos deste trecho é
de Teódoto de Ancira, um teólogo do século V que resumiu esta apreensão suscitada por São Paulo
deste modo: «Mas como pode ser frágil o criador dos céus? Qual
fragilidade pode ser aquela que com uma só palavra criou todas as coisas? O que
é a fragilidade de Deus?» (cf. Homilias cristológicas e marianas, 1992).
Mais adiante, o próprio Teodoto indica uma
resposta: Deus é frágil porque «assumiu sobre si as minhas fragilidades,
pondo fim às nossas fragilidades». Contudo, cada vez que lemos este trecho as perguntas apresentam-se novamente.
O texto do versículo
25 está naturalmente inserido num
contexto. Ele abrange uma primeira grande unidade literária que corresponde aos
primeiros quatro capítulos iniciais (1,
10-4, 21) da Primeira Carta aos Coríntios. Um marcador da unidade desta ampla exortação que abre a
carta é o verbo parakaló (exorto) que aparece no início (1, 10) e quase
no final da secção (4, 16). Partindo daqui, podemos dizer que o tom do
discurso, não por acaso bem estruturado, reflete uma preocupação prática e
pastoral, a mesma que certamente impeliu Paulo a escrever toda a epístola.
Ora, a grande unidade literária formada por
1, 10-4, 21 inclui diversas secções. E existe um consenso em situar o nosso
excerto de 1 Coríntios 1, 25 na
segunda secção.
Depois de ter
tratado, numa primeira etapa, os conflitos e as divisões no âmbito da
comunidade de Corínto, o apóstolo passa a desenvolver outro topos, que o
versículo 18 sintetiza com
perfeição: «A linguagem da cruz é
loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma
força divina». Os dois termos palavra (logos) e cruz, realçados, estão
em relação evidente com a expressão final «poder de Deus», assim como se
encontram também reciprocamente ligados entre si «loucura» e «os que se
perdem». É por isso que Paulo fala de loucura e sabedoria, de fraqueza e de
força.
Deve-se mencionar
ainda que 1 Coríntios 1, 25 se insere na subsecção 1, 18-25, que
trata a loucura e a fragilidade da
cruz como de sabedoria e força de Deus. Com um gesto perentório, o apóstolo
enfrenta o escândalo do Messias crucificado. E introduz no discurso uma
novidade decisiva: a cruz não é um absurdo mas é uma linguagem de rutura que
inaugura de novo a revelação de Deus. A cruz abate, como diz Christophe Senft,
os edifícios do conhecimento da verdade religiosa que estavam em vigor até
Jesus, fossem eles pagãos ou judaicos. Podemos dizer que 1 Coríntios 1,
25 é a coroação da argumentação desta subsecção.
A loucura e a
fraqueza são relativas ao próprio evento da cruz, e reinterpretam o nosso
conhecimento acerca da sabedoria e da força de Deus. A loucura e a fragilidade
são o novo regime da teofania, uma nova gramática do divino à qual é preciso obedecer. A obstinada focalização de
Paulo sobre a cruz é bem sugerida no versículo 25, mas de uma forma que as traduções têm dificuldade em interpretar.
Os termos loucura e fragilidade não são substantivos abstratos, mas adjetivos
ancorados no concreto. E, no contexto atual, é a inteira humanidade (e não este
ou aquele povo) que se encontra diante da ação de Deus que se manifesta em
Jesus Cristo crucificado.
Quanto à
caraterização estilística, parece aceitável a tese de Raymond F. Collins (First
Corinthians, 1999) que evidencia o recurso
da figura das litotes, a qual exprime retoricamente uma ideia através do
seu contrário, e deste modo abre a uma semântica de segundo nível. Dizendo a
fragilidade de Deus, Paulo paradoxalmente
está a afirmar a sua força. Mas
é importante compreender que neste
versículo 25 não temos simplesmente um
tour de force retórico. É a acentuação, como afirma Richard B. Hays, de «um
ponto teológico fundamental» do evangelho de Paulo: o modo em que a própria
cruz, enquanto evento salvífico no qual Deus se revela, desconstrói as
expetativas humanas.
A mensagem da cruz
confunde tanto os judeus como os gregos, que esperam sinais credíveis de poder
ou argumentos persuasivos de sabedoria. O Messias poderia ser simplesmente um
«profeta poderoso em obras e em palavras» (Lucas 24, 19) que distribui
provas sobrenaturais do favor de Deus.
Ou, em estilo helênico, um sábio
mestre de verdades filosóficas. Contudo, o
apóstolo nada tem para lhes oferecer neste sentido. Põe-nos simplesmente
diante do «Messias crucificado» (1 Coríntios 1, 23).
Deus
desconstrói
deste modo o que pareciam ser as expetativas e os critérios consolidados
em
relação ao seu agir. E o seu
Messias revelar-se-á pelo avesso — um avesso que nos desarma
incessantemente — quando morrer como
um criminoso derrotado pelo castigo da cruz. A convivência rotineira com
a
linguagem de Paulo (que é uma linguagem tensa, transparente e excessiva,
como
ele mesmo é) talvez tenha atenuado em nós o escândalo desta mensagem.
Mas não
nos esqueçamos: proclamar um Messias crucificado é encenar o teatro do
absurdo,
é deslocar o quadro das convicções sobre
Deus aos antípodas, é habitar o arrepio e o desconcerto. Os ouvidos
mediterrâneos que ouviam Paulo sabiam bem o que significava uma
crucificação.
Todos a compreendiam como uma punição extrema e macabra que os romanos
impunham como castigo exemplar, sobretudo aos agitadores e rebeldes
que
punham em questão a pax romana. Enfim, era uma forma pública de tortura
e de extermínio para garantir que
ninguém ousasse, mesmo só pelo horror
especial que ela inspirava, desafiar o
poder constituído.
O topos da
fragilidade de Deus é, por muitas razões, um motivo delicado, para não dizer de
caráter inaudito. As reservas e as atenuações que acompanharam historicamente a
receção do nosso versículo afirmam isto. Mas
há uma questão dupla que se impõe
quando lemos 1 Coríntios 1, 25 com este propósito: como
chegou Paulo a este arriscado topos da fragilidade
de Deus? neste versículo a fragilidade de Deus é realmente enfrentada por
Paulo ou ela faz uma aparição puramente instrumental no desenvolvimento
argumentativo de outra questão mais em sintonia
com a teologia tradicional (a questão do poder de Deus, por exemplo)?
Nenhum comentário:
Postar um comentário