Há sonhos que parecem conter mensagens do além, referindo-se a acontecimentos futuros ou comunicando ordens à pessoa que sonha.
Por Professor Felipe Aquino
Não é impossível que o Senhor Deus se sirva dos sonhos para se
manifestar aos homens; a Bíblia o atesta. Todavia julga-se que os sonhos
extraordinários hoje em dia ocorrentes são, geralmente, expressões do
psiquismo do próprio sujeito. A psicanálise e a parapsicologia estão em
condições de explicar muitos dos sonhos premonitórios e proféticos que
impressionam o público. Tenham-se em vista os sonhos de Glória Lasso,
cantora francesa, e de Otto von Bismarck, Primeiro-Ministro da Prússia,
referidos no corpo deste artigo. A ciência reconhece os fenômenos de
telepatia e percepção extrassensorial; afirma também a capacidade,
existente em todo ser humano, de conjeturar o futuro com estima e
carinho ou com horror. Estas funções podem elucidar grande número de
previsões e de percepções à distância que certas pessoas experimental em
sonho.
Comentário: Não é raro ouvir-se dizer que
determinada pessoa teve um sonho impressionante (…). Ás vezes é sonho em
que um ser falecido “aparece” ao amigo e lhe pede um favor (mande
celebrar Missas, pague dívidas deixadas pelo defunto…); ou a pessoa que
sonha, tem a intuição de que algo de muito grave (morte, desastre…) está
acontecendo – o que, logo depois que acorda, se confirma para ela.
Esses sonhos são ditos “premonitórios” ou “proféticos” (em sentido
amplo). Dir-se-ia que tem sua causa no além, pois parecem ser o produto
de mensagens provenientes do “outro mundo”.
É em vista desse aspecto portentoso dos sonhos que abaixo estudaremos
o assunto. Trata-se de tema complexo, que os analistas vem considerando
com atenção sem conseguir unanimidade em suas teses e interpretações.
Como que quer seja, com o auxílio da filosofia, da psicologia e da
parapsicologia, podem-se hoje em dia fornecer indicações valiosas para a
interpretação de sonhos ditos “premonitórios”.
Começaremos por apresentar um sonho premonitórios típico.
Típico sonho premonitório
O jornal “France-Dimanche”, aos 19/12/1957, publicou a história de um sonho apto a despertar sensação no público.
Glória Lasso, cantora que não conseguia sucesso em sua carreira, teve
na noite de Natal de 1954 um sonho maravilhoso, em que uma voz clara e
enérgica lhe dizia: “Vai a Vendôme, atravessa a passarela e toma o
caminho à direita! Verás duas árvores, que assinalam a entrada do
cemitério”. A voz acrescentou: “Entra ai. Contarás quatro quadras; na
quinta quadra, perto da velha árvore, descobrirás uma sepultura pequena
abandonada. Encarregar-te-ás de cuidar dela”.
Glória Lasso tinha um amigo, a quem contou esse sonho, muito
perturbada. Ele queria dissuadi-la de atender ao pedido; mas nas noites
seguintes a mesma voz muito insistentemente se fazia ouvir e mandava
Glória ao cemitério. Então o jovem amigo resolveu levá-la a Vendôme.
Encontraram as localidades indicadas e chegaram realmente ao cemitério,
onde viram a sepultura abandonada que em sonho fora apontada a Glória.
Ora verificaram que esse túmulo era o de uma menina chamada Catarina
Labbé, filha dos dois amantes Jacques Algaron e Louise Labbé; havia sido
vítima dos amantes e morrera assassinada; depois fora deixada no
esquecimento em seu túmulo. Os jornais haviam feito grande alarde desse
caso, difundindo o noticiário respectivo nos anos de 1953-55.
Tendo visto a sepultura, Glória Lasso, profundamente impressionada,
entregou ao guarda do cemitério a sua última nota de dez mil francos
para que cuidasse desse túmulo.
No dia seguinte, a cantora assinou o seu primeiro contrato de
trabalho artístico. Pouco depois, a mesma voz se fez ouvir de novo em
sonho, aprovando o gesto de Glória e pedindo-lhe que mais se
interessasse pela defunta. Então glória mandou colocar os restos mortais
de Catarina Labbé em novo jazigo. Em seguida, na sua profissão começou a
bater todos os recordes de sucesso.
Eis o que comumente se chama “sonho premonitório”. Pergunta-se:
corresponde realmente a uma intervenção de espírito do Além? A defunta
Catarina Labbé Ter-se-á assim manifestado a Glória Lasso? E Ter-lhe-á
obtido de Deus, em troca do seu solícito atendimento, a
possibilidade de fazer sucesso em sua carreira?
possibilidade de fazer sucesso em sua carreira?
É o que vamos ponderar sob o título seguinte.
À luz da psicologia
1. Não é impossível que, em certos casos, Deus
permita que os vivos, na terra, recebam mensagens através de sonhos. O
Senhor Deus parece mesmo ter provocado tais intervenções junto a certos
personagens bíblicos: Abraão (Gn 15, 12-21); Abimelec (Gn 20, 3-6), Jacó
(Gn 28, 11-22), José (Gn 37, 5-11), Gedeão (Jz 6,25s)… Todavia é de
notar que a Bíblia não refere sonhos durante os séculos que vão do rei
Salomão a Zacarias profeta (séc. X-V a.C.), ou seja, durante toda a
época dos Profetas; isto significa que nesse tempo os sonhos eram
considerados uma forma secundária de revelação; a palavra profética, ao
contrário, correspondia, por excelência, à maneira como Deus se dirigia
ao seu povo.
2. Em nossos dias, os sonhos premonitórios tem sido
estudados pelos psicólogos e analistas, que tentam explicá-los como
expressões da realidade íntima do paciente. As explicações assim dadas
têm, em muitos casos, sua grande verossemelhança. Vejamos, por exemplo,
como se elucidaria nessa perspectiva o sonho de Glória Lasso atrás
referido.
1. Antes do mais, seria necessário verificar se o
caso da cantora está bem contado ou se o noticiário a respeito do sonho
que teve, das medidas que tomou no cemitério e do êxito que teve em sua
carreira profissional, corresponde à realidade dos fatos (…). Na
verdade, acontece não raro que os casos “maravilhosos” são criados,
total ou parcialmente, pela fantasia popular (…) Em consequência, quem
os ouve pode dar importância a um falso prodígio ou a algo que não
aconteceu ou nada teve de portentoso.
2. Averiguada a veracidade das notícias todas, seria
preciso levar em conta o seguinte: os jornais publicaram minuciosamente
as ocorrências do caso de Jacques Algaron e Louise Labbé; devem ter
realizado reportagens também sobre o cemitério e o túmulo abandonado de
Catarina Labbé. – Ora é muito possível que Glória Lasso tenha lido essas
notícias da imprensa, talvez sem lhes dar, no momento, grande
importância. Guardou-as, porém, na sua memória inconsciente. É isto que
se chama criptomnésia (Krypton = oculto, latente, em grego; mnésia =
memória). É certo que muitas vezes registramos em nosso inconsciente uma
paisagem, uma cena, um rosto, uma informação…, mas não fazemos uso
dessa impressão; não a levamos até a nossa memória consciente, mas a
conservamos em nossa memória (faculdade de registrar) inconsciente.
Aliás, os fenômenos de criptomnésia são frequentes; tornaram-se
objeto de assíduos estudos, como os de Flournoy. Muitas vezes as
impressões colhidas em passado remoto vêm à baila do sujeito, quando
este menos espera. Em consequência, exclama: “Já vi essa paisagem, esse
rosto, essa casa…” E, já não sabendo onde viu tal imagem, a pessoa é
propensa a dizer que só a pode ter visto em outra encarnação ou na vida
pregressa (o que é gratuito, como se depreende facilmente).
Por conseguinte, no caso de Glória Lasso pode-se perguntar se a
aparição de Catarina Labbé em sonho não se deve à recordação das
notícias que Glória colhera através da imprensa e que guardara em seu
inconsciente (num fenômeno de criptomnésia).
3. Admitida esta hipótese, pergunta-se: qual terá
sido o motivo pelo qual Glória Lasso se lembrou do caso de Catarina e
viveu as cenas do seu sonho? – A explicação poderia ser a seguinte:
Glória estava passando por uma fase difícil no seu relacionamento com o
mencionado amigo; julgava-se culpada e receava que essa situação
negativa pudesse prejudicar a sua carreira de cantora ou o seu futuro.
Havia, pois, um drama afetivo no íntimo de Glória. Ora a moça terá
estabelecido, em seu subconsciente, um paralelo entre o caso de Jacques
Algaron, Louise Labbé e Catarina, de um lado, e o caso dela mesma com o
seu amigo de outro lado. Vivendo o seu drama, Glória terá tido a
reminiscência do drama de Catarina, que lhe estava na memória
inconsciente.
4. Se assim foi, pergunta-se ainda: – com que
finalidade Glória teve o seu sonho? Qual a intenção do subconsciente ao
fazer Glória viver tal sonho? – Em resposta, pode-se dizer: esse sonho
devia servir – e serviu – para libertar Glória da penosa situação em que
se achava. Foi, sim, o que se deu: Glória, que tinha sentimentos de
culpa, lavou-os e eliminou-os, entregando-se à caridade, ou seja,
cuidando do túmulo abandonado de Catarina. Liberta do seu sentimento de
culpa, ela se dedicou sem restrições à carreira artística, conseguindo o
pleno sucesso que ela antes não conseguia. Deixou o relacionamento com o
amigo, que a afligia; doravante esse amigo é que foi sendo atormentado
por pesadelos, como referiu o jornal “France-Dimanche”.
É esta a explicação que, à luz da psicologia, se pode dar para o
sonho premonitório de Glória Lasso. É possível que outros sonhos
premonitórios e proféticos sejam suscetíveis de análogas explicações; em
tal caso, perderiam o suposto caráter de “mensagens do Além”.
Não há dúvida, estas ponderações não esgotam todas as interrogações
que os sonhos “misteriosos” suscitam. Faz-se, pois, mister ainda levar
em conta o binômio:
Telepatia e Sonhos
Pode acontecer que em sonho alguém veja um acontecimento estranho;
depois de acordar, tal pessoa é informada de que realmente se deu.
Doenças e falecimentos são assim percebidas em sonho. Tais fenômenos não
significam que o espírito da pessoa doente ou moribunda saia do seu
corpo para ir comunicar-se com quem está sonhando. Na verdade, o que se
dá é um fenômeno de telepatia ou de percepção extra-sensorial¹: em tal
caso, a pessoa que sonha, percebe à distância, extrassensorialmente, o
acontecimento que fantasia durante o sonho.
Ainda outras explicações se podem propor para sonhos “misteriosos”.
¹Sabemos que a percepção extrassensorial é aquela que se faz
independentemente dos cinco ou seis sentidos externos, por via que
certamente existe, mas cujo funcionamento ainda não pode ser plenamente
definido.
Conjetura e desejo
1. Ainda no tocante aos sonhos previsivos ou proféticos, é oportuno observar quanto segue:
O ser humano é sempre sequioso de informações, principalmente a
respeito do futuro. A incerteza no tocante ao futuro pode desgastar a
pessoa mais do que uma má notícia concernente ao porvir. Pesquisas
realizadas nos cárceres evidenciaram o seguinte: um prisioneiro que
saiba estar condenado para o resto da vida, pode conseguir
tranquilizar-se e adaptar-se à sua nova situação mais facilmente do que
os colegas que ainda não sabem o será feito deles. Uma má notícia às
vezes é preferível à ausência de notícias, pois quem está informado
tenta recuperar a segurança e reconstruir sua vida a partir da situação
ingrata de que ele está consciente. Ou ainda: quem está informado, pode
(conforme o caso) preparar suas defesas e resistência para enfrentar os
males que lhe foram anunciados. – Se assim é, pode-se dizer, a quanto
parece, que o ser humano em seu subconsciente tem especial capacidade de
prever ou conjeturar o futuro e – o que não é menos importante – de
assumir certos comportamentos em função das previsões feitas.
Na base deste dados, voltemos a examinar os sonhos prospectivos.
Poderiam ser elucidados também do seguinte modo: muitas vezes o ser
humano conjetura algum acontecimento futuro; às vezes também deseja-o ou
horroriza-o. Ora estas funções inconscientes são suficientes para
provocar o sonho respectivo: a pessoa vê em sonho os acontecimentos que
ela conjetura e deseja ou abomina. Ora, se tal conjetura está bem
arquitetada, ela corresponde à realidade futura; em tal caso, o sonho
que ela provocou, pode ser dito “um sonho profético”. Tal profecia,
porém, nada tem de sobrenatural, pois se explica pela ação de faculdades
naturais do ser humano.
A propósito, cita-se o famoso caso do estadista alemão Otto von
Bismarck, Primeiro-Ministro da Prússia na Segunda metade do séc. XIX:
sonhou que seria vitorioso em árdua campanha militar contra a Áustria, e
de fato conseguiu triunfar. – Tal sonho se explica tranquilamente pelo
ardente desejo que o marechal prussiano nutria de superar a Áustria: o
sonho exprimiu tal desejo; ora, o desejo tendo sido bem sucedido em
sonho, Bismarck decidiu empenhar-se com todo o afinco para que se
tornasse realidade… Em casos como este, o sonho não mostra propriamente o
que está para acontecer, mas, sim, aquilo que a pessoa quer fazer ou
deve fazer; e muitas vezes é isso mesmo que realmente está para
acontecer.
De modo geral, deve-se dizer que a preciência absoluta não existe por
via natural. Pode haver, sim, a profecia como Dom de Deus,… Dom
sobrenatural que ultrapassa as faculdades naturais do ser humano. Se
alguém fosse capaz de prever o futuro com exatidão, poderia encaminhar
os acontecimentos vindouros em seu proveito, e em pouco tempo se
tornaria senhor da sua cidade ou quiçá senhor do mundo (popularmente se
diz: acertaria sempre na loteria esportiva). O Dr. Lyall Watson, biólogo
sul-africano citado na bibliografia deste artigo, que tem feito
pesquisas em diversas partes do mundo, estudou cuidadosamente o curso de
vida de algumas das pessoas mais ricas e poderosas da história
contemporânea: não encontrou nesses personagens o mínimo indício de
faculdades estranhas ou prodigiosas; tais pessoas obtiveram sucesso
graças ao seu esforço ou também graças a fatores de boa fortuna, que as
favoreceram; todas, porém, cometeram seus erros, às vezes elementares; e
nenhuma dispensou as lições da experiência do próprio sujeito ou dos
antepassados.
Outro tipo de fenômeno merece ainda ser levado em conta, quando se trata de explicar sonhos, a saber:
Extenuação e Sonhos
Têm-se feito experiências para verificar o que acontece quando alguém
se priva de sono por longo período de tempo. Ora pode-se dizer o
seguinte: tais pessoas ainda conseguem resolver problemas de aritmética –
o que mostra que conservam as atividades conscientes do cérebro. Podem
reagir imediatamente a forte jato de luz, apertando uma campainha para
ver-se livres do incômodo – o que evidencia que sua capacidade de reação
não é alterada. Mas os indivíduos muito carentes de sono já não
conseguem concentrar-se por espaço de tempo prolongado; cometem erros
numerosos, quando querem raciocinar, e precisam de refazer sempre os
seus raciocínios a fim de se corrigir. Caso sejam submetidas a mais
duradouras provas de insônia, tais pessoas perdem, por vezes
momentaneamente, consciência da realidade que as cerca; e começam a ver
coisas que não existem, isto é, põem-se a sonhar com os olhos abertos.
Ninguém diria que estão sonhando, mas na verdade estão desligadas do
meio ambiente e projetando em sua mente imagens e impressões guardadas
em seu subconsciente. Este fato ocorre especialmente em pessoas
impressionáveis, ricas em sensibilidade e imaginação; a fantasia então
deixa de ser controlada pelo sujeito esgotado e põe-se a funcionar
livremente como em sonho, ainda que a pessoa conserve as pálpebras
descerradas.
Este fenômeno lança luz sobre certas visões e “aparições” que algumas
pessoas experimentam imprevistamente e que, na falta de autêntica
explicação, atribuem a seres do Além ou espíritos desencarnados
redivivos sobre a terra.
Eis algumas pistas científicas e objetivas que contribuem
valiosamente para desvendar o “mistério” dos sonhos proféticos. Antes de
se procurar explicação dos mesmos por recurso direto a Deus e aos
santos e falecidos, é preciso tentar aplicar-lhes as respectivas noções
de psicologia e parapsicologia, que geralmente dissipam as falsas
suspeitas de intervenção do Além.
D. Estêvão Bettencourt, osb
Revista: PERGUNTE E RESPONDEREMOS Nº 194 – Ano: 1976 – p. 78
Fonte - cancaonova
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