Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, condenai-as abertamente. (Ef 5, 8-11)
segunda-feira, 30 de março de 2020
Sacerdotes heroicos enfrentam o coronavírus
Por Plinio Maria Solimeo
Nos antigos tempos de fé, a população via nas
catástrofes, epidemias e outros fenômenos naturais descontrolados uma
punição divina para os desmandos da sociedade. A Igreja promovia então
procissões e orações públicas rogatórias de reparação, suplicando à
Majestade Divina que fizesse cessar o flagelo. Hoje a Igreja fecha suas portas, privando os fiéis do Santo Sacrifício da
Missa e da reconciliação com Deus através do sacramento da confissão. Por medo
do vírus, nega-lhes toda assistência religiosa e, em muitos casos, até os deixa
morrer sem os últimos sacramentos. Muitas epidemias se abateram sobre o mundo nas várias épocas históricas.
Entretanto, a Igreja estava sempre presente. Os sacerdotes cumpriam sua missão
de assistir o povo fiel durante as calamidades, inclusive com o risco da
própria vida. Exemplo disso foi São Luís Gonzaga [quadro acima], que morreu em consequência da peste contraída enquanto
levava às costas um flagelado durante a peste em Roma.
São Carlos Borromeo levando o Santíssimo Sacramento aos infectados pela peste
Outro exemplo ainda mais notável é o de São Carlos Borromeu. Quando chegou
a Milão a terrível Peste Negra que ceifou a vida de quase um terço dos europeus
em 1576, ele colocou todo seu clero a serviço dos atingidos. Essa violenta epidemia
contagiou em pouco tempo mais de 100 de seus valorosos padres, que morreram
como mártires da caridade durante a assistência aos empestados [quadro acima]. Sem preocupar-se com a
própria segurança, o então Arcebispo de Milão julgou que a glória de Deus exigia
que ele preparasse o maior número possível de atingidos para uma morte quase
certa, a fim de lhes obter a salvação eterna. Para aplacar a cólera de Deus, São
Carlos chegou a se flagelar em praça pública, implorando em nome de seu povo o
perdão de Deus e o fim da epidemia. Finalmente, também contagiado, uma febre contínua
foi debilitando lentamente suas forças, até ele falecer no dia 4 de novembro de
1584 com apenas 46 anos de idade.
Frei Damião com crianças do coro de Kalawao na década de 1870
Poderíamos também citar o caso também heróico do sacerdote belga São Damião de Molokai (1840-1889) [Foto aima],
que se encerrou na denominada “ilha maldita”, no Havaí, junto dos
contagiados pela lepra a quem fora dar assistência religiosa, morrendo
como eles. Que exemplo para tantos bispos e
clérigos acomodados, transformados em “funcionários públicos”! Felizmente há
exceções, como veremos. Na outrora catolicíssima Espanha ainda existem sacerdotes que, enfrentando
o risco de contaminação, continuam a atender espiritualmente as vítimas da praga,
a “peste chinesa”, como muitos a chamam mais apropriadamente.
Essa peste já atingiu mais de 70.000 pessoas naquele país, com quase
6.000 mortes. Por isso o hospital Infanta Helena [foto acima], de Valdemoro, na região madrilense, está quase em
estado de saturação por causa da peste. É nele que o pároco local, Pe. Israel
Guijarro (pela manhã), e o vigário de Ciempozuelos, Pe. Julião Lozano (pela
tarde), com o apoio do capelão do hospital, José Medina, vêm trabalhando para
atender os infectados. O Pe. Lozano [foto abaixo] diz
que antigamente, em pequenos hospitais como o de Valemoro, o capelão podia
passar normalmente pelas dependências para oferecer seus serviços espirituais.
Mas que hoje a situação é diferente: “Nós,
os capelães, ficamos na capela rezando até que nos chamem. Então tomamos todas
as precauções necessárias, segundo o setor. Podemos confessar usando máscaras e
luvas, guardando distâncias. Nos setores de tratamento com aerossóis a
respiração pode condensar-se em gotas, e isso é perigoso. Há lugares onde
também usamos óculos, rede de cabeça, luvas duplas e uma vestimenta resistente”.
Além dessas precauções para evitar o contágio, os capelães, revestidos de
um traje especial, levam em uma bolsa os santos óleos para administrar a Extrema
Unção dos enfermos, e em outra as hóstias para a Comunhão. Os sacerdotes não
levam consigo o ritual, mas apenas um folheto. O Pe. Iñaki Gallego explica que
“todo material que usamos quando
visitamos os enfermos é logo descarta, sendo incinerado com o resto de resíduos
do hospital”. Quer dizer, toma-se todo o cuidado para evitar o contágio, mas sempre há
o perigo. Esses sacerdotes, por amor às almas e como pastores do rebanho a eles
confiado, o enfrentam. O Pe. Gallego comenta que um dos fatores mais dolorosos da enfermidade é
o isolamento da família. “Quando a pessoa
ingressa no hospital com coronavírus, suspende-se o contato com a família. Deixam
entrar os sacerdotes para ministrar um sacramento se a pessoa pede. Só isso.
Assim, dei a unção dos enfermos e assisti ao falecimento de vários, incluindo a
mãe do Pe. Jon, nosso companheiro, que ingressou aqui e está em cuidados
intensivos na UTI”. Isso mostra que na Espanha, por um resto de sentimento católico, os
sacerdotes não são proibidos de entrar nos hospitais para prestar assistência
religiosa como em outros países. Prossegue o Pe. Gallego: “Os
enfermos não podem ter nenhum acompanhante, salvo se estiver em estado crítico;
então pode haver um familiar até a hora da morte. Os médicos devem informar os
familiares pelo telefone. Em alguns casos, nós servimos de mediadores e
tentamos serenar tanto os familiares quanto os enfermos”. Há males que vêm para bem. Assim, o Pe. Lozano observa que a oração é uma
fonte de consolo e de fortaleza nessa situação angustiante: “Em algumas dependências em que entrei para
rezar com os enfermos, impressionou-me ver como rezam. Hoje ingressou em
Valdemoro um casal, cada qual sendo internado em uma ala do hospital, que se
comunicam pelo celular. Impressionou-me muito ver o fervor e a intensidade com
que rezam. Aqui, com tantos dias de isolamento e pressão, há muito risco de
desanimar-se. Mas a oração e a confissão ajudam a muitos e lhes trazem paz e
descanso. Alguns que confessei levavam muito tempo sem se confessar”. Assim, quanto bem pode fazer um sacerdote com verdadeiro espírito
sobrenatural! Mas a tarefa desses capelães não é fácil. Embora sejam cerca de 100 em
toda a região de Madrid, não dão conta do trabalho. Antes, eles contavam com
uma rede de 200 voluntários que os ajudavam a acompanhar os enfermos nos
hospitais e a prepará-los para receber os sacramentos. Mas agora esses
voluntários estão proibidos de entrar. Só entram os capelães, cinco em
Valdemoro. Um problema colateral a ser enfrentado para o exercício de seu ministério
nos hospitais é que “os capelães têm
também que lidar com o pessoal sanitário, que está sob muita pressão, muito
estressados e preocupados”. No hospital de Valdemoro, esse pessoal “afronta tudo com dedicação e inteireza, mas já
se nota o cansaço. Eles nos pedem orações, e nós os apoiamos e os alentamos”,
diz o Pe. Lozano. Que esse exemplo sirva para incentivar muitos
sacerdotes no Brasil e em outras partes a não se omitirem diante dessa dura
emergência, prestando o socorro da Igreja e alentando muitas das vítimas dessa
terrível “peste chinesa”. _________________
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