quinta-feira, 8 de julho de 2021

TERESINHA SETÚBAL

 
Teresinha, primeira à direita, com seu pai e irmãos


Por Plínio Maria Solimeo

 

Informações complementares sobre a menina paulista predileta do Menino Jesus

Tendo suscitado grande interesse meu artigo publicado na edição de abril (“Teresinha Setúbal – Adolescente paulista morta em odor de santidade”), alguns leitores pediram-me que aprofundasse mais o tema citando outros fatos, omitidos então por brevidade. Assim sendo, e baseando-me sempre no texto de Da. Francisca Souza Aranha Setúbal, mãe de Teresa Setúbal, apresentarei aspectos de sua riquíssima existência, ressaltando principalmente fatos indicativos da sua santidade. 

Cumpre lembrar que Teresinha descendia pelo lado materno de antiga e nobre estirpe. Era trineta do Visconde de Indaiatuba e do Barão de Souza Queirós, sobrinha-trineta do Visconde de Vergueiro, do Barão de Limeira e da Marquesa de Valença. Era também tetraneta do senador Vergueiro, um dos mais influentes políticos do Império.
 

Alguns exemplos de virtude 

Teresinha vivia continuamente na presença do Menino Jesus, a quem se entregara, e que regulava até seus menores atos. 

Um exemplo disso ocorreu num cenário que se diria impróprio — uma praia do Rio de Janeiro. Passando um mês na Cidade Maravilhosa, Teresinha teve de ir todos os dias tomar banho de sol com a família, como era muito recomendado pelos médicos. Importa ter presente que se tratava de uma praia dos idos de 1935, ou seja, sem a pasmosa imoralidade comum nas praias de nossos dias. Basta dizer que o próprio pai, Paulo Setúbal, vestido de terno e gravata, levava os filhos à praia e ali se sentava com eles enquanto tomavam sol.
Da. Francisca Souza Aranha Setúbal, mãe de Teresinha ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte
e Cultura Brasileiras. São Paulo:
Itaú Cultural, 2021.

Teresinha estava lá por obediência à família, mas gozava da companhia do Menino Jesus. Comenta Da. Francisca [foto]: “Quando ela estava na praia, mesmo em seu traje de banho, notava-se que ela só via o mar e o céu. Aquele movimento na praia lhe causava horror, mas nada dizia”. 

Às vezes o Menino-Deus queria “conversar” com ela na hora destinada às aulas, levando-a com isso a ignorar a presença da professora. Quando esta lhe fazia perguntas, respondia maquinalmente. Mas o Menino Jesus a ajudava em suas dificuldades no estudo, e suas notas eram ótimas! Como ela não gostava de Matemática, neste caso Ele a fazia aprender sozinha. 

A propósito do livro do pai, a quem ela pediu que o rasgasse, Teresinha disse à mãe, depois que o pai faleceu: “Senti, mamãe, que eu precisava falar [sobre o livro], foi uma coisa aqui dentro (e apertava com sua mão o coração). Senti que se papai publicasse o livro, seria a glória humana [...]. Mas papai... (seus olhos encheram-se de lágrimas)”. Ela colocava reticências onde caberia tratar de assuntos penosos. Neste caso, possivelmente considerava que, querendo seu pai publicar um livro imoral, mostrava estar longe de levar a religião a sério. Ela continua: “Ah, mamãe, como eu sofri. [...] Sentia a luta de papai, acompanhei seu sofrimento [...] e eu não podia fazer nada... falar... e papai sofrendo... e eu sabia quanto ele estava sofrendo [...] e eu sentia muito... e o escuro era completo”. 

Teresinha via a luta do pai para vencer os maus hábitos do ‘homem velho’. Nesse período ele já tinha deixado de frequentar festas e vivia cercado apenas da família e de amigos próximos. Passou a frequentar fervorosamente a igreja da Imaculada Conceição, próxima de sua casa, e lia livros religiosos, principalmente a Sagrada Escritura e a Imitação de Cristo. No entanto não era ainda o pai que ela queria, voltado todo para Deus. Via também que ele sofria, por estar minado pela doença e sentir-se próximo da morte. Mas o passado festeiro e despreocupado do pai gerava em Teresinha o receio de que ele fraquejasse em seus propósitos. Por isso acrescenta: “Só tive paz depois da morte de papai” (ele morreu após receber todos os Sacramentos da Igreja). Da. Francisca comenta: “Esta foi a primeira e única vez que falou no assunto [do livro]; quando o fato se deu, eu estava na cidade; e quando voltei, ela apenas me disse: ‘Papai queimou o livro’. Mais nada, e nunca comentamos”. Insistimos em ressaltar que, para uma menina de dez anos, este procedimento mostra muita virtude e força de alma.
 

Aceitando as cruzes postas em seu caminho 

Paulo Setúbal decidiu que sua filha Vivi ingressaria no Colégio Des Oiseaux, e perguntou a Teresinha: “Você também gostaria de nele entrar?”. Ela baixou os olhos, que começaram a lacrimejar. Os pais tomaram isso como uma recusa, e disseram que estavam apenas brincando, que não a poriam no Des Oiseaux. Teresinha disse depois à mãe o motivo de suas lágrimas: “Era meu ardente desejo, depois que fiz a Primeira Comunhão, ir para Des Oiseaux. Tinha tanta vontade de estudar, de poder [e baixando o tom de voz] ajudar as outras, eu tinha facilidade, eu queria ser amiga e ajudar aquelas [meninas] que tivessem dificuldades, mas logo Jesus disse: ‘Não!’. Fiquei muito triste, tive lutas, eu queria tanto, mas Ele não queria que eu aparecesse, que tivesse convivência com as outras meninas”. Jesus queria, muito provavelmente, afastá-la das muitas ocasiões que haveria para desviá-la do reto caminho.

Em abril de 1937, perguntou-lhe o Menino Jesus: “Teresinha, você quer sofrer?”. Dois dias depois: “Teresinha, Eu vou te mandar uma grande cruz!”. Ela acrescenta: “Alguns dias depois papai ficou doente, e eu sabia que ele ia...”. Minado pela tuberculose, Paulo Setúbal lutava entre a vida e a morte. Comenta Da. Francisca: “Sentia-se, durante os dias em que o pai esteve na cama, a dor [de Teresinha]. No entanto, nenhuma palavra. Silêncio. [...] Paulo não teve coragem de se despedir das duas meninas”, o que deve ter sido outro grande sofrimento para Teresinha. 

Rezando e sofrendo, ela passou em claro a noite que precedeu a morte do pai, ouvindo tudo o que se passava no quarto ao lado, onde ele agonizava. Mas não chamou ninguém, nem disse palavra, até que de manhã alguém lhe comunicou a morte do pai, aos 44 anos de idade. Sobre este desenlace, Da. Francisca comenta: “Dizer o que aquele coraçãozinho amoroso sofreu é impossível, só Deus sabe”.
 

Obedecendo sempre ao Menino Jesus 

Essa predileta do Menino Jesus comenta como Ele regulava tudo: “Quantas vezes estou lendo um romance que me interessa, no melhor ponto tenho que parar [...] nenhuma linha mais, e tenho que fechar o livro. Ah, minha mãezinha, tudo, tudo, desde que abria os olhos, era determinado por Ele. Ele estava sempre a meu lado”, mesmo durante as refeições e os jogos. “Ah minha Mamãe, dos 8 aos 12 anos foi bem difícil, com o meu ‘geninho’, eu sempre tinha que fazer o contrário de minha vontade, [...] às vezes me custava muito, eu queria a minha vontade [...]. E desde manhã até a noite, sempre tudo como o Menino Jesus queria. Mas Ele não me deixava um minuto, estávamos sempre juntinhos, Ele me fazia carinhos e me ajudava. Nunca, nunca desobedeci, mesmo nas menores coisas, nas mais pequeninas coisas, sempre fazia a vontade do Menino Jesus”. 

Anúncio de sua prematura morte: “Dia 13 de outubro de 1937, Jesus me perguntou se eu queria sofrer, eu disse que sim. Pensei que dessa vez fosse Mamãe, ou bem o Olavo ou a Vivi [seus irmãos]. Aceitei, mas sofri muito [...]. Alguns dias depois vi que era eu”. 

Narra Da. Francisca: “No dia 18 de outubro, muito recolhida, recebeu a Santa Comunhão na sala onde costumava passar deitada o seu dia. Foi então que Jesus lhe disse: ‘Levante os olhos e olhe para a frente’. [A filha explica:] ‘Olhei e vi o Crucifixo branco da sala, e me atraiu unicamente a cabeça coroada de espinhos. Não vi mais nada, nem as chagas, só a coroa de espinhos’”. 

Recomeçaram então as terríveis dores de cabeça, que nenhum analgésico podia aliviar. Deram-lhe várias injeções e fizeram uma punção na espinha. Diz a mãe: “Todos os exames negativos, e as dores sempre fortíssimas”. 

No dia 3 de novembro de 1936 Teresinha recebeu a Extrema-Unção e fez sua consagração a Nossa Senhora na qualidade de escrava. Mas depois, tendo o Menino Jesus perguntado se ela queria sofrer mais pelos pecadores, e ela dito que sim, teve uma melhora. 

Da esq. para a dir.: Da. Francisca, Olavo, Vicentina, Paulo Setúbal e Teresinha

Sofrendo com os tratamentos médicos 

Da. Francisca comenta que alguns médicos julgavam Teresinha uma criança mimada, e que se faziam todas as suas vontades. Sofreu muito nas mãos deles. De um especialista, ela comenta: “Não ligou a menor importância à sua dor; e muito autoritário, sem a examinar, já com o diagnóstico feito, tirou com energia todos os analgésicos. ‘Luxo. Nada disso’. — ‘Como, Doutor, nada?’ — ‘Absolutamente nada, isso tudo é nada, é luxo, mesmo que não durma, não tem importância’ (Isso quando a dor de cabeça era fortíssima. Ela nem se preocupou). Teresa, quando soube que o Dr. V. [esse médico] estava muito mal, muito se preocupou, pedia sempre notícias, e ficou tão consolada sabendo que ele tinha recebido a Extrema-Unção”. 

Como as dores de cabeça continuavam violentas, o Dr. S. resolveu chamar um especialista. Este, após examinar Teresinha, quis falar a sós com ela. Relata a mãe: “Depois da conversa entre os dois, voltei ao quarto e Teresa, que ignorava a especialidade do Dr. PS., me disse: ‘Que engraçado, Mamãe, este médico dá uma volta tão grande para perguntar as coisas. É tão mais simples perguntar e eu responder, no entanto ele dá uma volta [...]. Quando ele começou, ele me assustou com o modo, mas logo compreendi. [...] Ele quer tirar as coisas [...]. O que for de saúde, eu digo tudo, mas, Mamãe, na minha alma ele não tem direito de entrar, não é verdade? Por isso ele pode dar todas as voltas, o Menino Jesus está comigo, e eu não falo”. 

Sobre esse médico, Teresinha relata ainda: “No dia em que o Dr. PS. veio, eu pensei: quem sabe se é esse que vai me curar. Logo Jesus me disse: ‘Com essas ideias (repetiu bem) com essas ideias e esse tratamento, ele não consegue nada’”. 

O Menino Jesus dissera a Teresinha: “Quero que você sofra mais, mas eu te ajudarei”. Ela comentou depois: “Recebi [do Menino Jesus] uma proibição e uma ordem. Ele me disse para contar tudo o que Mamãe perguntasse. Depois ele conversou um pouco. Mas... isso é só para mim... [o que terá se passado entre o Menino Jesus e essa alma de escol?] Sempre depois de querer que eu sofra, Ele me agrada. Ele me disse que me quer muito, muito bem. Que está contente comigo, e que eu tivesse, apesar de tudo que acontecesse, coragem e confiança”. 

Teresinha sofria muito nas mãos dos médicos. Mas se vingava a seu modo, rezando pela salvação eterna deles. Um dia pediu à mãe que rezasse muito em suas intenções. A mãe lhe perguntou quais eram. Ela disse que era por seus médicos, e acrescentou: “Esses três, MS, PS e AP estão me dando um trabalho daqueles. [...] Mas custe o que custar (acentuou bem) eu hei de conseguir. O mais duro é o PS (o que queria entrar em sua alma), este é duríssimo... MS também, mas tem mais vislumbre, é menos duro. Eu estou dando trabalho para eles, mas olhe Mamãe, acho que eles estão me dando um trabalho bem maior”. 

Chamou-se então outro especialista em doenças da cabeça, Dr. CB, para examinar Teresinha. Após ele lhe prescrever nova punção na cabeça, disse: “Se a punção não der certo, a senhora internará a menina”. Da. Francisca respondeu peremptoriamente: “E a minha consciência de mãe? Tenho certeza de que minha filha não tem nada de imaginação. Porque não sabem o que ela tem, o Sr. quer que eu ceda? E se a minha filha morrer lá? O Sr. se esquece que eu sou a responsável, e que sou eu que tenho que dar conta a Deus” [do que ocorrer à Teresinha].
 

Sofri tudo o que tinha que sofrer 


Tomando conhecimento do que se passava, Teresinha disse à mãe: “Que importa que eles pensem que tenho alguma coisa (e mostrou com a mão a cabecinha, e com suavidade na voz): Jesus, que é Filho de Deus, não lhe vestiram a camisa branca dos loucos?”. 

No final de um tratamento, Teresinha estava “malíssima, desenganada”. O Dr. MS disse a Da. Francisca: “Você sabe, ela poderá ter algumas horas de vida. Se quiser chamar um padre, eu vou dar tudo para ela poder falar”. 

Teresinha recebeu os Sacramentos e teve uma leve melhora. Disse à mãe: “Eu sou do Menino Jesus. Mamãe já me deu, não é verdade? Agora eu sou só do Menino Jesus. Minha Mamãezinha, eu ficarei sempre bem pertinho da senhora, eu nunca deixarei ‘a minha Mamãe’, e mandarei muitas, muitas graças para Mamãe”. 

No dia 29 de outubro de 1938, Da. Francisca disse a Teresinha: “Como você está sofrendo, filhinha”. Ela respondeu: “Sim, Mãezinha. Mas agora sofri tudo o que tinha que sofrer”. Dois dias depois ela entregava sua bela e cândida alma ao Menino Jesus.
 

Depoimento final de um médico atencioso 

Por fim transcrevemos, com data de 19 de março de 1939, o depoimento de um dos médicos de Teresinha, insuspeito por não acreditar no caráter sobrenatural de sua doença e de seus sofrimentos. Respondendo a uma carta de Da. Francisca, onde perguntava quanto lhe devia por ter tratado de sua filha, escreveu: 

“Recebi, por intermédio do seu procurador, o seu delicado recado, de mandar eu a nota dos serviços médicos prestados à sua Filhinha. Nada me deve a senhora por isso, antes sou eu que lhe sou devedor de me ter permitido assistir de perto a imolação de uma santinha, para conversão nossa a uma vida melhor, e para contrabalançar os nossos pecados de algum modo. Se, de um lado, eu lhe envio a expressão sentida e cheia de emoção de meus sentimentos, por outro quero lhe dizer que Deus lhe julgou digna de consentir a semelhante sacrifício, pedindo-lhe a filha extremada. Com todo o respeito e simpatia. CB.”
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 846, Junho/2021.
 
 

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