Teresinha, primeira à direita, com seu pai e irmãos |
Por Plínio Maria Solimeo
Informações complementares sobre a menina paulista predileta do Menino Jesus
Tendo
suscitado grande interesse meu artigo publicado na edição de abril
(“Teresinha Setúbal – Adolescente paulista morta em odor de santidade”),
alguns leitores pediram-me que aprofundasse mais o tema citando outros
fatos, omitidos então por brevidade. Assim sendo, e baseando-me sempre
no texto de Da. Francisca Souza Aranha Setúbal, mãe de Teresa Setúbal,
apresentarei aspectos de sua riquíssima existência, ressaltando
principalmente fatos indicativos da sua santidade.
Cumpre
lembrar que Teresinha descendia pelo lado materno de antiga e nobre
estirpe. Era trineta do Visconde de Indaiatuba e do Barão de Souza
Queirós, sobrinha-trineta do Visconde de Vergueiro, do Barão de Limeira e
da Marquesa de Valença. Era também tetraneta do senador Vergueiro, um
dos mais influentes políticos do Império.
Alguns exemplos de virtude
Teresinha vivia continuamente na presença do Menino Jesus, a quem se entregara, e que regulava até seus menores atos.
Um
exemplo disso ocorreu num cenário que se diria impróprio — uma praia do
Rio de Janeiro. Passando um mês na Cidade Maravilhosa, Teresinha teve
de ir todos os dias tomar banho de sol com a família, como era muito
recomendado pelos médicos. Importa ter presente que se tratava de uma
praia dos idos de 1935, ou seja, sem a pasmosa imoralidade comum nas
praias de nossos dias. Basta dizer que o próprio pai, Paulo Setúbal,
vestido de terno e gravata, levava os filhos à praia e ali se sentava
com eles enquanto tomavam sol.
Da. Francisca Souza Aranha Setúbal,
mãe de Teresinha
ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. |
Teresinha estava lá por obediência à família, mas gozava da companhia do Menino Jesus. Comenta Da. Francisca [foto]:
“Quando ela estava na praia, mesmo em seu traje de banho, notava-se que
ela só via o mar e o céu. Aquele movimento na praia lhe causava horror,
mas nada dizia”.
Às
vezes o Menino-Deus queria “conversar” com ela na hora destinada às
aulas, levando-a com isso a ignorar a presença da professora. Quando
esta lhe fazia perguntas, respondia maquinalmente. Mas o Menino Jesus a
ajudava em suas dificuldades no estudo, e suas notas eram ótimas! Como
ela não gostava de Matemática, neste caso Ele a fazia aprender sozinha.
A
propósito do livro do pai, a quem ela pediu que o rasgasse, Teresinha
disse à mãe, depois que o pai faleceu: “Senti, mamãe, que eu precisava
falar [sobre o livro], foi uma coisa aqui dentro (e apertava com sua mão
o coração). Senti que se papai publicasse o livro, seria a glória
humana [...]. Mas papai... (seus olhos encheram-se de lágrimas)”. Ela
colocava reticências onde caberia tratar de assuntos penosos. Neste
caso, possivelmente considerava que, querendo seu pai publicar um livro
imoral, mostrava estar longe de levar a religião a sério. Ela continua:
“Ah, mamãe, como eu sofri. [...] Sentia a luta de papai, acompanhei seu
sofrimento [...] e eu não podia fazer nada... falar... e papai
sofrendo... e eu sabia quanto ele estava sofrendo [...] e eu sentia
muito... e o escuro era completo”.
Teresinha
via a luta do pai para vencer os maus hábitos do ‘homem velho’. Nesse
período ele já tinha deixado de frequentar festas e vivia cercado apenas
da família e de amigos próximos. Passou a frequentar fervorosamente a
igreja da Imaculada Conceição, próxima de sua casa, e lia livros
religiosos, principalmente a Sagrada Escritura e a Imitação de Cristo.
No entanto não era ainda o pai que ela queria, voltado todo para Deus.
Via também que ele sofria, por estar minado pela doença e sentir-se
próximo da morte. Mas o passado festeiro e despreocupado do pai gerava
em Teresinha o receio de que ele fraquejasse em seus propósitos. Por
isso acrescenta: “Só tive paz depois da morte de papai” (ele morreu após
receber todos os Sacramentos da Igreja). Da. Francisca comenta: “Esta
foi a primeira e única vez que falou no assunto [do livro]; quando o
fato se deu, eu estava na cidade; e quando voltei, ela apenas me disse:
‘Papai queimou o livro’. Mais nada, e nunca comentamos”. Insistimos em
ressaltar que, para uma menina de dez anos, este procedimento mostra
muita virtude e força de alma.
Aceitando as cruzes postas em seu caminho
Paulo
Setúbal decidiu que sua filha Vivi ingressaria no Colégio Des Oiseaux, e
perguntou a Teresinha: “Você também gostaria de nele entrar?”. Ela
baixou os olhos, que começaram a lacrimejar. Os pais tomaram isso como
uma recusa, e disseram que estavam apenas brincando, que não a poriam no
Des Oiseaux. Teresinha disse depois à mãe o motivo de suas lágrimas:
“Era meu ardente desejo, depois que fiz a Primeira Comunhão, ir para Des
Oiseaux. Tinha tanta vontade de estudar, de poder [e baixando o tom de
voz] ajudar as outras, eu tinha facilidade, eu queria ser amiga e ajudar
aquelas [meninas] que tivessem dificuldades, mas logo Jesus disse:
‘Não!’. Fiquei muito triste, tive lutas, eu queria tanto, mas Ele não
queria que eu aparecesse, que tivesse convivência com as outras
meninas”. Jesus queria, muito provavelmente, afastá-la das muitas
ocasiões que haveria para desviá-la do reto caminho.
Em
abril de 1937, perguntou-lhe o Menino Jesus: “Teresinha, você quer
sofrer?”. Dois dias depois: “Teresinha, Eu vou te mandar uma grande
cruz!”. Ela acrescenta: “Alguns dias depois papai ficou doente, e eu
sabia que ele ia...”. Minado pela tuberculose, Paulo Setúbal lutava
entre a vida e a morte. Comenta Da. Francisca: “Sentia-se, durante os
dias em que o pai esteve na cama, a dor [de Teresinha]. No entanto,
nenhuma palavra. Silêncio. [...] Paulo não teve coragem de se despedir
das duas meninas”, o que deve ter sido outro grande sofrimento para
Teresinha.
Rezando
e sofrendo, ela passou em claro a noite que precedeu a morte do pai,
ouvindo tudo o que se passava no quarto ao lado, onde ele agonizava. Mas
não chamou ninguém, nem disse palavra, até que de manhã alguém lhe
comunicou a morte do pai, aos 44 anos de idade. Sobre este desenlace,
Da. Francisca comenta: “Dizer o que aquele coraçãozinho amoroso sofreu é
impossível, só Deus sabe”.
Obedecendo sempre ao Menino Jesus
Essa
predileta do Menino Jesus comenta como Ele regulava tudo: “Quantas
vezes estou lendo um romance que me interessa, no melhor ponto tenho que
parar [...] nenhuma linha mais, e tenho que fechar o livro. Ah, minha
mãezinha, tudo, tudo, desde que abria os olhos, era determinado por Ele.
Ele estava sempre a meu lado”, mesmo durante as refeições e os jogos.
“Ah minha Mamãe, dos 8 aos 12 anos foi bem difícil, com o meu ‘geninho’,
eu sempre tinha que fazer o contrário de minha vontade, [...] às vezes
me custava muito, eu queria a minha vontade [...]. E desde manhã até a
noite, sempre tudo como o Menino Jesus queria. Mas Ele não me deixava um
minuto, estávamos sempre juntinhos, Ele me fazia carinhos e me ajudava.
Nunca, nunca desobedeci, mesmo nas menores coisas, nas mais pequeninas
coisas, sempre fazia a vontade do Menino Jesus”.
Anúncio
de sua prematura morte: “Dia 13 de outubro de 1937, Jesus me perguntou
se eu queria sofrer, eu disse que sim. Pensei que dessa vez fosse Mamãe,
ou bem o Olavo ou a Vivi [seus irmãos]. Aceitei, mas sofri muito [...].
Alguns dias depois vi que era eu”.
Narra
Da. Francisca: “No dia 18 de outubro, muito recolhida, recebeu a Santa
Comunhão na sala onde costumava passar deitada o seu dia. Foi então que
Jesus lhe disse: ‘Levante os olhos e olhe para a frente’. [A filha
explica:] ‘Olhei e vi o Crucifixo branco da sala, e me atraiu unicamente
a cabeça coroada de espinhos. Não vi mais nada, nem as chagas, só a
coroa de espinhos’”.
Recomeçaram
então as terríveis dores de cabeça, que nenhum analgésico podia
aliviar. Deram-lhe várias injeções e fizeram uma punção na espinha. Diz a
mãe: “Todos os exames negativos, e as dores sempre fortíssimas”.
No
dia 3 de novembro de 1936 Teresinha recebeu a Extrema-Unção e fez sua
consagração a Nossa Senhora na qualidade de escrava. Mas depois, tendo o
Menino Jesus perguntado se ela queria sofrer mais pelos pecadores, e
ela dito que sim, teve uma melhora.
Da esq. para a dir.: Da. Francisca, Olavo, Vicentina, Paulo Setúbal e Teresinha |
Sofrendo com os tratamentos médicos
Da.
Francisca comenta que alguns médicos julgavam Teresinha uma criança
mimada, e que se faziam todas as suas vontades. Sofreu muito nas mãos
deles. De um especialista, ela comenta: “Não ligou a menor importância à
sua dor; e muito autoritário, sem a examinar, já com o diagnóstico
feito, tirou com energia todos os analgésicos. ‘Luxo. Nada disso’. —
‘Como, Doutor, nada?’ — ‘Absolutamente nada, isso tudo é nada, é luxo,
mesmo que não durma, não tem importância’ (Isso quando a dor de cabeça
era fortíssima. Ela nem se preocupou). Teresa, quando soube que o Dr. V.
[esse médico] estava muito mal, muito se preocupou, pedia sempre
notícias, e ficou tão consolada sabendo que ele tinha recebido a
Extrema-Unção”.
Como
as dores de cabeça continuavam violentas, o Dr. S. resolveu chamar um
especialista. Este, após examinar Teresinha, quis falar a sós com ela.
Relata a mãe: “Depois da conversa entre os dois, voltei ao quarto e
Teresa, que ignorava a especialidade do Dr. PS., me disse: ‘Que
engraçado, Mamãe, este médico dá uma volta tão grande para perguntar as
coisas. É tão mais simples perguntar e eu responder, no entanto ele dá
uma volta [...]. Quando ele começou, ele me assustou com o modo, mas
logo compreendi. [...] Ele quer tirar as coisas [...]. O que for de
saúde, eu digo tudo, mas, Mamãe, na minha alma ele não tem direito de
entrar, não é verdade? Por isso ele pode dar todas as voltas, o Menino
Jesus está comigo, e eu não falo”.
Sobre
esse médico, Teresinha relata ainda: “No dia em que o Dr. PS. veio, eu
pensei: quem sabe se é esse que vai me curar. Logo Jesus me disse: ‘Com
essas ideias (repetiu bem) com essas ideias e esse tratamento, ele não
consegue nada’”.
O
Menino Jesus dissera a Teresinha: “Quero que você sofra mais, mas eu te
ajudarei”. Ela comentou depois: “Recebi [do Menino Jesus] uma proibição
e uma ordem. Ele me disse para contar tudo o que Mamãe perguntasse.
Depois ele conversou um pouco. Mas... isso é só para mim... [o que terá
se passado entre o Menino Jesus e essa alma de escol?] Sempre depois de
querer que eu sofra, Ele me agrada. Ele me disse que me quer muito,
muito bem. Que está contente comigo, e que eu tivesse, apesar de tudo
que acontecesse, coragem e confiança”.
Teresinha
sofria muito nas mãos dos médicos. Mas se vingava a seu modo, rezando
pela salvação eterna deles. Um dia pediu à mãe que rezasse muito em suas
intenções. A mãe lhe perguntou quais eram. Ela disse que era por seus
médicos, e acrescentou: “Esses três, MS, PS e AP estão me dando um
trabalho daqueles. [...] Mas custe o que custar (acentuou bem) eu hei de
conseguir. O mais duro é o PS (o que queria entrar em sua alma), este é
duríssimo... MS também, mas tem mais vislumbre, é menos duro. Eu estou
dando trabalho para eles, mas olhe Mamãe, acho que eles estão me dando
um trabalho bem maior”.
Chamou-se
então outro especialista em doenças da cabeça, Dr. CB, para examinar
Teresinha. Após ele lhe prescrever nova punção na cabeça, disse: “Se a
punção não der certo, a senhora internará a menina”. Da. Francisca
respondeu peremptoriamente: “E a minha consciência de mãe? Tenho certeza
de que minha filha não tem nada de imaginação. Porque não sabem o que
ela tem, o Sr. quer que eu ceda? E se a minha filha morrer lá? O Sr. se
esquece que eu sou a responsável, e que sou eu que tenho que dar conta a
Deus” [do que ocorrer à Teresinha].
Sofri tudo o que tinha que sofrer
Tomando
conhecimento do que se passava, Teresinha disse à mãe: “Que importa que
eles pensem que tenho alguma coisa (e mostrou com a mão a cabecinha, e
com suavidade na voz): Jesus, que é Filho de Deus, não lhe vestiram a
camisa branca dos loucos?”.
No
final de um tratamento, Teresinha estava “malíssima, desenganada”. O
Dr. MS disse a Da. Francisca: “Você sabe, ela poderá ter algumas horas
de vida. Se quiser chamar um padre, eu vou dar tudo para ela poder
falar”.
Teresinha
recebeu os Sacramentos e teve uma leve melhora. Disse à mãe: “Eu sou do
Menino Jesus. Mamãe já me deu, não é verdade? Agora eu sou só do Menino
Jesus. Minha Mamãezinha, eu ficarei sempre bem pertinho da senhora, eu
nunca deixarei ‘a minha Mamãe’, e mandarei muitas, muitas graças para
Mamãe”.
No
dia 29 de outubro de 1938, Da. Francisca disse a Teresinha: “Como você
está sofrendo, filhinha”. Ela respondeu: “Sim, Mãezinha. Mas agora sofri
tudo o que tinha que sofrer”. Dois dias depois ela entregava sua bela e
cândida alma ao Menino Jesus.
Depoimento final de um médico atencioso
Por
fim transcrevemos, com data de 19 de março de 1939, o depoimento de um
dos médicos de Teresinha, insuspeito por não acreditar no caráter
sobrenatural de sua doença e de seus sofrimentos. Respondendo a uma
carta de Da. Francisca, onde perguntava quanto lhe devia por ter tratado
de sua filha, escreveu:
“Recebi,
por intermédio do seu procurador, o seu delicado recado, de mandar eu a
nota dos serviços médicos prestados à sua Filhinha. Nada me deve a
senhora por isso, antes sou eu que lhe sou devedor de me ter permitido
assistir de perto a imolação de uma santinha, para conversão nossa a uma
vida melhor, e para contrabalançar os nossos pecados de algum modo. Se,
de um lado, eu lhe envio a expressão sentida e cheia de emoção de meus
sentimentos, por outro quero lhe dizer que Deus lhe julgou digna de
consentir a semelhante sacrifício, pedindo-lhe a filha extremada. Com
todo o respeito e simpatia. CB.”
____________
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 846, Junho/2021.
Via - blogdafamiliacatolica
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