quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

A liturgia tradicional foi limitada, mas não há discriminação, diz liturgista da Santa Sé

O arcebispo Arthur Roche

 

Por Edward Pentin / National Catholic Register

 

A promoção da liturgia tradicional foi “restringida, mas isso não caracteriza discriminação”, disse o arcebispo Arthur Roche em 22 de dezembro ao jornal National Catholic Register, do grupo EWTN a que pertence ACI Digital.

“O que é importante perceber agora é que o Santo Padre falou”, continuou o prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. “As possibilidades litúrgicas estão disponíveis. O desafio é seguir em frente sem lamber feridas, uma vez que ninguém foi ferido.”

O arcebispo respondeu por e-mail perguntas sobre as Responsa ad dubia (Respostas a dúvidas) que ele emitiu, com a aprovação do papa, sobre a aplicação da carta apostólica Traditionis custodes (Guardiões da Tradição) do papa Francisco publicada em 16 de julho passado.

Esse motu proprio (por sua própria vontade), estabeleceu restrições abrangentes sobre a forma tradicional do Rito Romano, a liturgia em uso antes das reformas litúrgicas que se seguiram ao Concílio Vaticano II.

Em suas respostas, o arcebispo Roche rejeitou acusações de que as restrições não foram decididas de forma sinodal, dizendo que sinodalidade significa "caminhar juntos", "o exato propósito do motu proprio que expressa a direção em que a Igreja deve caminhar em sua oração.”

Ele também respondeu a outras perguntas sobre o Responsa ad dubia, incluindo se ele se aplica a institutos tradicionais, diz que a pesquisa com bispos na qual Traditionis custodes e as Responsa, se baseiam, foi interpretada erroneamente e fala por que outras formas tradicionais ou alternativas do Rito Romano são aceitas sem tais restrições.

National Catholic Register: Excelência, as Responsa se aplicam aos institutos dedicados exclusivamente ao rito tradicional, especialmente no que diz respeito às ordenações na forma tradicional do Rito Romano, ou tais ordenações são permitidas nesses institutos, visto que não foram especificamente mencionadas na Responsa?

Arcebispo Arthur Roche: Em primeiro lugar, permita-me, como introdução, introduzir um ponto importante. A lei universal relativa à liturgia anterior às reformas do Concílio Vaticano II foi agora estabelecida pelo motu proprio Traditionis custodes de 16 de julho de 2021, que substitui toda a legislação anterior.

A Responsa ad dubia de 4 de dezembro de 2021, publicada pela Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, é uma interpretação autorizada de como esta lei deve ser aplicada. A Congregação para a Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica tem competência sobre os institutos particulares que o sr. menciona. Esta congregação não fez nenhuma declaração sobre esses institutos. No entanto, o princípio foi estabelecido de que as ordenações na Igreja latina são conferidas conforme o rito aprovado por constituição apostólica em 1968 (Pontificalis romani, de 18 de junho de 1968).

NCR: O segundo Responsum afirma que o bispo diocesano não está autorizado a conceder permissão para o uso do Pontificale Romanum. Isso significa que os bispos não podem usar o Pontificale Romanum ou que não podem dar permissão para usá-lo? Se for o último, a quem eles não estão autorizados a permitir o uso?

Roche: O Pontificale Romanum dessa liturgia anterior não está mais em uso. No entanto, foi feita uma concessão para o uso do Rituale Romanum nas paróquias pessoais, mas que exclui o sacramento da confirmação, que foi alterado por constituição apostólica em 1971.

NCR: As Responsa foram descritas por canonistas como ilegítimas por não respeitar vários cânones, a integridade do rito tradicional, e outras razões de direito canônico. Qual é a sua resposta a isso?

Roche: As respostas às várias dubia são evidentemente legítimas e em total conformidade com o direito canônico em sua elaboração por esta congregação, cuja autoridade neste assunto é incontestável.

NCR: As Responsa proíbem que a missa tradicional seja anunciada em uma programação paroquial, mas o sr. diz que não está marginalizando os católicos tradicionais. Por que essa medida foi tomada se os católicos tradicionais são membros da comunidade dos fiéis e a iniciativa visa a unidade? Acentuar a diferença não aumenta as divisões?

Roche: Fica claro na Traditionis custodes que a celebração da missa usando o Missale Romanum de 1962 se dá por concessão e, portanto, não é a disposição normal da liturgia da Igreja, conforme previsto pelo Concílio Vaticano II. Os ritos aprovados pelos santos papas Paulo VI e João Paulo II são a expressão única da liturgia da Igreja. Como o sr. mesmo observou, a maioria dos adeptos do Missal de 1962 não têm problemas com a liturgia reformada ou com o Concílio Vaticano II, mas preferem a de 1962, razão pela qual a celebração da missa com esse missal está disponível para eles.

No entanto, vou esclarecer um assunto importante. A liturgia nunca é simplesmente uma questão de gosto ou preferência pessoal. É a lex orandi da Igreja que, em fidelidade à tradição recebida desde os tempos apostólicos, é determinada pela Igreja e não pelos membros individualmente. O Missal Romano dos santos Papas Paulo VI e João Paulo II é testemunha de uma fé inalterada e de uma tradição viva e ininterrupta.

NCR: Muitos católicos tradicionais dizem que foram injustamente discriminados por Traditionis custodes e as Responsa ad dubia e excluídos das consultas. Eles dizem que essas novas regras foram injustamente impostas a eles com base em uma pesquisa da CDF de 2020 com bispos. No entanto, segundo relatórios bem fundamentados, ao contrário da nota explicativa do papa sobre Traditionis custodes, a pesquisa mostrou que a maioria dos bispos queria prosseguir aplicando o motu proprio Summorum Pontificum do papa Bento XVI que liberou a celebração da liturgia anterior à reforma do Concílio Vaticano II. A CDF então enviou essas descobertas ao Santo Padre em um relatório detalhado. A Congregação para o Culto Divino vai levar todos esses fatores em consideração em um espírito de sinodalidade? A congregação também trabalhará a partir dos resultados reais da pesquisa, em vez do que alguns relatos dizem ser uma falsa interpretação deles?

Roche: A promoção da liturgia anterior foi limitada, mas isso não caracteriza discriminação. Nem Ecclesia Dei de são João Paulo II, nem Summorum pontificum do papa Bento XVI previram a promoção dessas liturgias que ocorreu em seguida e se tornou problemática para o que o Concílio, a forma mais elevada de legislação da Igreja Católica, havia decretado.

Deve-se recordar o que o papa Bento XVI disse à imprensa a caminho da França em 2008 que, “este 'Motu Proprio' (falava do Summorum Pontificum que acabava de ser publicado), é apenas um ato de tolerância, com uma finalidade pastoral, para aquelas pessoas que foram educadas com esta liturgia, que a amam, estão familiarizadas com ela e querem viver com esta liturgia. Formam um pequeno grupo, porque isso pressupõe uma escolaridade em latim, uma formação numa determinada cultura”. Infelizmente, muitos aproveitaram a oportunidade para tomar uma direção oposta.

Quanto à consulta, o Santo Padre ouviu com muita atenção os bispos e, mais recentemente, a Congregação respondeu às questões levantadas por eles e vários outros.

O que é importante perceber agora é que o Santo Padre falou; as possibilidades litúrgicas estão disponíveis; o desafio é seguir em frente sem lamber feridas, uma vez que ninguém foi ferido. Quanto ao seu ponto sobre a sinodalidade, a palavra significa “caminhar juntos”, o exato propósito do motu proprio, que expressa a direção em que a Igreja deve caminhar em sua oração.

NCR: Muitos fiéis tradicionais não têm problemas com a liturgia reformada ou com o Vaticano II, mas preferem a forma tradicional. Por que, então, a forma tradicional do Rito Romano não pode ser aceita, como outras formas tradicionais diferentes do rito romano são aceitas, como os ritos ambrosiano, galicano, dominicano ou anglicano?

Roche: Com todo o respeito, sua determinação de rituais não é totalmente precisa. Existe apenas um rito romano, assim como existe apenas um rito ambrosiano e um rito mozárabe. O rito galicano desapareceu há muitos séculos, embora muitas de suas orações tenham sido incorporadas em vários livros litúrgicos atuais. Os outros não são ritos, mas usos: adaptações ou inculturações do rito romano, que foi aprovado pela Sé Apostólica por motivos específicos.

 

Fonte - acidigital

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