Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, condenai-as abertamente. (Ef 5, 8-11)
sábado, 16 de julho de 2022
Sobre “assistir” e “ouvir” Missa
Nos velhos tempos, era costume dizer que os católicos “assistiam” à
Missa, ou que iam “ouvir Missa”. Mas o que está por trás desse modo de
participar da celebração eucarística? Existe algum problema em falar
assim hoje em dia?
Peter Kwasniewski
Tradução: Equipe Christo Nihil Præponere
É famosa a declaração do Papa Pio XI de que os católicos não deveriam ser “espectadores indiferentes e silenciosos” na Missa (Divini Cultus,
1928). Sou simpático à afirmação quando se trata da Missa Solene: há
pouca razão para os fiéis não cantarem o Ordinário e as várias respostas
[i]. Mas é o caso de se perguntar se Pio XI já não estava sendo
influenciado demais por um certo modo de pensar moderno, em que fazer
algo externo, ou pelo menos parecer fazê-lo, é o ponto principal a ser
acentuado. Essa ideia cresceu nos quarenta anos seguintes, dentro do
ativismo autodestrutivo da era do Novus Ordo.
Em vez disso, não deveríamos pensar primeiro na maneira como se entra na liturgia, na maneira como a assimilamos, relacionando-nos com ela interiormente?
Nos velhos tempos se costumava dizer que os católicos “assistiam” à
Missa. Este conceito é frutífero. Cada membro do corpo assiste à (e na)
elevação divina da liturgia, cada um em seu lugar próprio, mas sem
pensar que tem de assumir qualquer ação em particular que não seja estar
atento e cheio de fé. Também era comum nos velhos tempos, aliás durante
séculos, dizer que os católicos iam “ouvir Missa”. Nós lemos na vida de
santos leigos como Luís IX que “ele ouvia Missa duas vezes por dia”.
Os liturgistas modernos estremecem com essa expressão, que lhes
parece sintetizar o pior da era tridentina (ou, digamos, da era medieval
como um todo): um bando de leigos “sem fazer nada a não ser” escutar
enquanto o padre e o assistente falavam todas as palavras da Missa em
seu nome. Na visão deles, só os que rezam ou cantam a Missa a estão fazendo.
Com efeito, a Missa dialogada, promovida primeiro pelo mesmo Pio XI,
pretendia ser uma alternativa (pode-se dizer que até um remédio) para
levar as pessoas do ouvir ao falar.
No entanto, devemos desacelerar e pensar mais sobre a audição. Os
terapeutas familiares geralmente gostam de fazer uma distinção entre
ouvir e escutar — entre mera recepção auditiva e realmente absorver a
importância do que está sendo dito e dar a isso uma resposta adequada.
“Você me ouviu, mas você me escutou?” Quando se diz que as pessoas “ouvem Missa”, o significado certamente é que estão escutando com atenção, com o ouvido do coração, para usar a bela expressão da Regra de São Bento [ii].
Escutar é uma atividade difícil de se fazer bem. É algo que exige (e
que gera ao mesmo tempo) experiência, prática, concentração,
receptividade, humildade — uma abertura para ser o espaço insculpido em
que uma palavra ou som pode fazer sua morada e dar fruto. Não à toa a
grande maioria das obras de arte que retratam Nossa Senhora, mostram-na
olhando e escutando o Arcanjo Gabriel, em vez de responder ou agir. Ela
está meditando a Palavra de Deus em sua cela; ela recebe a saudação dele
e pergunta em seu coração o que isso significa; após o diálogo
(geralmente não representado), ela aceita a Palavra feita carne. A Virgem Maria assiste à primeira Missa; ela ouve a primeira Missa.
Como [o Papa] João Paulo II gostava de dizer, a Santíssima Virgem Maria nos revela que ser é mais essencial que fazer, receber é mais fundamental que dar
— assim como nossa inserção em Cristo no batismo, o que nos acontece
(sofremos uma morte espiritual e Deus nos ressuscita) é mais basilar
para a nossa identidade do que qualquer ato particular que realizemos
com base em nosso batismo. Nenhum homem se faz cristão; ele (ou seus pais em seu nome) consente em ser feito cristão por Deus [iii].
Os tempos modernos são caracterizados por um grau incomum de ruído,
ocupação e saturação de imagens. Estamos sempre sendo atraídos para fora
de nós mesmos, de nossa profunda identidade interior como filhos de
Deus, para distrações e dissipações. “Eis que estavas dentro de mim, e eu fora”, como disse Santo Agostinho a Deus nas Confissões.
Por isso, e sem abandonar por um momento a importância da Missa Solene
como a expressão mais bela e normativa da liturgia, digo que a
silenciosa Missa Rezada é mais atual e mais necessária do que nunca,
como baluarte contra a total extroversão e superficialidade da vida
secular.
É de se perguntar se as formas de meditação oferecidas pelo budismo, e
outros fenômenos cada vez mais populares do Extremo Oriente, teriam
feito tão grandes incursões na sociedade ocidental não fosse a perda da
forma onipresente de “meditação silenciosa” que outrora tínhamos em
abundância.
Em minha vida, houve muitas ocasiões em que eu não desejava outra
coisa senão uma Missa Rezada tranquila no início da manhã. Assistir a
ela era como chegar a um oásis no deserto, ou passar por uma porta baixa
de madeira para entrar em um jardim secreto. Ao assistir à Missa, é
possível sentir as raízes afundando mais profundamente na terra, os
galhos se estendendo mais alto em direção ao céu, as folhas se abrindo
para o sol e os botões amadurecendo. É um tempo fora do tempo, um lugar de encontro sagrado, que nos deixa sem palavras e felizes por não falar.
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