Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, condenai-as abertamente. (Ef 5, 8-11)
sexta-feira, 9 de dezembro de 2022
Católicos, não haverá arrebatamento!
Como na época de Noé, Jesus diz que no último dia as pessoas serão
separadas: de cada duas, uma será levada e outra será deixada para trás.
Mas a chave para compreender essa profecia é que, no dilúvio, os
perversos é que foram levados da terra, não os justos!
Por Alisson Law
Tradução: Equipe Christo Nihil Præponere
Durante o Advento, a Igreja nos recorda que, além de simplesmente nos
prepararmos para a natividade de Cristo no Natal, temos também de nos
preparar para a segunda vinda de Cristo no último dia. “Quanto àquele
dia e àquela hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas
somente o Pai” (Mt 24, 36).
Nós, católicos, cremos que o último dia será precedido por um período
de tribulação e sofrimento, do qual ninguém será poupado. Porém,
algumas denominações protestantes enxergam as coisas de um modo
diferente. Elas esperam ansiosamente pelo “arrebatamento”, que precederá
o fim dos tempos, segundo a crença delas.
Vivo numa região do país com uma forte presença evangélica e
fundamentalista. Portanto, qualquer discussão sobre o último dia ou
sobre o fim dos tempos quase sempre traz à tona o tema do
“arrebatamento”. Como católicos, nós não aderimos a essa doutrina. É
muito útil ter uma compreensão sobre o “arrebatamento” quando
conversamos sobre o fim dos tempos com nossos irmãos e irmãs
não-católicos. Realmente, não se trata de uma doutrina bíblica.
Portanto, é ainda mais útil saber como refutar essa curiosa ideia
através da Sagrada Escritura.
O que é o “arrebatamento”? — A doutrina do arrebatamento é
ensinada principalmente por evangélicos e fundamentalistas. Portanto,
nem todos os cristãos não-católicos acreditam na ideia de um
“arrebatamento dos fiéis”. Ao mesmo tempo, ela não é de modo algum
exclusiva dessas denominações.
Essa curiosa doutrina é também razoavelmente nova. Um dos seus
primeiros defensores foi um pastor chamado John Nelson Darby, que
escreveu sobre esse assunto em meados do século XIX. No início do século
XX, o arrebatamento ficou ainda mais popular por causa da Bíblia de
Estudo Scofield. As notas de rodapé de Scofield promoveram a doutrina de Darby sobre o arrebatamento.
Mais recentemente, a crença no arrebatamento foi disseminada por livros e filmes como The Late Great Planet Earth [sem tradução portuguesa], e a série Left Behind,
[“Deixados para trás”]. Tele-evangelistas famosos como Billy Graham,
Jerry Falwell, Bob Jones e outros pregadores inspirados por esses homens
também disseminaram a doutrina do arrebatamento.
Embora haja algumas variações, geralmente a doutrina do arrebatamento ensina que, a qualquer momento, Jesus Cristo retornará à terra subitamente e de forma invisível.
Nesse momento, todos os fiéis serão levados ao Céu em corpo e alma para
se unir a Cristo (serão “arrebatados”). Não haverá sinais de alerta.
Ele virá como um ladrão que age à noite e somente serão arrebatados os
que forem salvos. Os incrédulos serão abandonados para enfrentar o
período da grande tribulação com o reino do Anticristo.
O arrebatamento tem fundamento bíblico? — Nas discussões que
já tive com aqueles que apoiam a ideia do arrebatamento, o trecho usado
com mais frequência como evidência bíblica dela é da Primeira Carta aos
Tessalonicenses, 4, 15-17. São Paulo diz o seguinte nele:
Dizemo-vos isto, segundo a palavra do Senhor: os que estamos
vivos, os sobreviventes, quando da vinda do Senhor, não passaremos
adiante daqueles que morreram. Porque o mesmo Senhor, ao sinal dado, à
voz do Arcanjo, ao som da trombeta de Deus, descerá do céu: os que
morreram em Cristo, ressuscitarão primeiro; depois, nós os que vivemos,
os sobreviventes, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as
nuvens, ao encontro de Cristo, nos ares, e assim estaremos para sempre
com o Senhor.
Essa passagem não é uma descrição dos fiéis sendo elevados da terra, e São Jerônimo usou a palavra rapiemur
(“seremos arrebatados”) quando traduziu o trecho para o latim. A
palavra portuguesa “rapto”, que é sinônimo de “arrebatamento”, deriva de
rapiemur. Portanto, São Paulo de fato descreve o “arrebatamento” dos fiéis nos ares. Mas quando analisamos o contexto em sua totalidade, vemos que esse evento ocorrerá na segunda vinda de Cristo. Ele não acontecerá antes do último dia, nem longe dele.
Outro elemento essencial nessa passagem é o seguinte: quando o
arrebatamento é descrito, não há segredo nem silêncio algum em relação a
ele! Paulo descreve a segunda vinda de Jesus de modo muito visível e
óbvio para todos. Jesus é acompanhado pelo som das trombetas e pelas
visões dos anjos. Além disso, antes de os fiéis serem elevados aos ares,
os mortos serão ressuscitados de seus túmulos! Portanto, o
arrebatamento descrito por São Paulo é muito diferente da doutrina do
arrebatamento ensinada por alguns cristãos atualmente.
Um será levado, outro será deixado. — Em outra conversa com
evangélicos, mencionaram Lucas 17, 26-37 e Mateus 24, 3-44 para
sustentar a doutrina do arrebatamento. Eles alegam que essas passagens
descrevem o arrebatamento dos fiéis e mostram como os incrédulos serão
deixados para trás. Nessas passagens, Jesus profetiza um tempo que
chegará quando as pessoas estiverem envolvidas com suas atividades
cotidianas e, subitamente, “uma será tomada, a outra deixada”(Lc 17, 34).
Tomados isoladamente, esses versículos realmente falam de pessoas que
subitamente serão separadas. Seria esse o arrebatamento do qual falam
alguns protestantes? Por que alguns são deixados para trás? Aqueles que
são deixados para trás são os incrédulos que terão de enfrentar a grande
tribulação, tal como ensina a doutrina do arrebatamento? Mais uma vez,
precisamos analisar todo o contexto para responder a essas
perguntas.
Não há “arrebatamento”. — Nessas passagens, Jesus está respondendo a uma pergunta dos discípulos sobre sua segunda vinda.
Perguntaram quais “sinais” ocorrerão quando Ele retornar. A resposta
mistura profecias sobre o fim do mundo com profecias sobre a destruição
do Templo em Jerusalém (que ocorreria décadas mais tarde, no ano 70). Ao
longo dos alertas, Jesus enfatiza que seus discípulos precisam estar
sempre prontos e preparados, porque ninguém sabe quando tais eventos
acontecerão (cf. Mt 24, 44).
Jesus afirma que sua segunda vinda será rápida e inesperada, além de
ser acompanhada de vários sinais. Haverá guerras, rumores de guerras,
fomes, terremotos, fraudes, falsos profetas, tribulação e ilegalidades.
Jesus também diz que sua segunda vinda será acompanhada de raios e do
som de trompetes. Portanto, ela será evidente e visível a todos. Ele
inclusive descerá do Céu acompanhado por anjos.
No Evangelho de Lucas, Jesus compara a época da segunda vinda aos
dias de Noé. Apesar dos alertas deste, as pessoas continuavam vivendo
normalmente. Então, Noé entrou na arca e o dilúvio destruiu todas as
pessoas perversas. Como na época de Noé, Jesus diz que no último
dia as pessoas serão separadas: de cada duas, uma será levada e outra
será deixada para trás. Mas a chave para compreender essa
profecia do fim dos tempos é o reconhecimento de que, nos dias de Noé,
os perversos é que foram levados da terra, e não os justos [i]!
O contexto completo. — Os Evangelhos ampliam ainda mais o
contexto sobre o tema. Quando os discípulos escutaram essa analogia,
perguntaram a Jesus o destino dos que seriam levados. Ele respondeu
assim: “Onde quer que esteja o corpo, juntar-se-ão aí também as águias” (Lc 17, 37; Mt 24, 28). A palavra grega para pássaro nos dois Evangelhos é aetos, que é traduzida por abutre ou águia. Curiosamente, para a palavra “corpo”, Lucas usa o termo grego soma (“corpo”), mas Mateus usa o termo ptoma, que em grego significa literalmente “cadáver” ou “carcaça”.
Portanto, o contexto nos diz que Jesus está se referindo a uma ave de
rapina. Isso é importante porque aqueles sendo levados são chamados de
cadáveres. São levados a um lugar onde há aves carnívoras [ii]. Por
acaso Jesus parece estar dizendo que os justos serão levados para esse
lugar? De modo algum! Isso se relaciona à analogia de Noé. Assim
como os perversos foram levados pelo dilúvio, Jesus ensina que em sua
segunda vinda os perversos serão levados para o fogo do inferno — e ficarão separados dele por toda a eternidade.
Segundo a doutrina do arrebatamento, quando Jesus diz que “um será
levado e outro deixado para trás”, Ele está afirmando que os fiéis serão
arrebatados subitamente. Porém, trata-se claramente de uma
interpretação incorreta da passagem inteira. Na verdade, deveríamos
desejar ser deixados para trás com Cristo, e não ser levados com os
iníquos, como nos dias de Noé!
Outros desafios à doutrina do arrebatamento. — A doutrina do
arrebatamento também afirma que, quando Cristo vier secretamente,
levará todos fiéis em corpo e alma para o Céu — uma ressurreição dos
fiéis. Mas a Sagrada Escritura é clara ao afirmar que somente no último
dia fiéis e incrédulos serão ressuscitados em corpo e alma.
No trecho da Primeira Carta aos Tessalonicenses (4, 16-18) citado
anteriormente, São Paulo diz que antes de os fiéis serem levados,
aqueles que morreram em Cristo serão ressuscitados. Somente depois disso
os fiéis que estiverem vivos serão elevados aos ares. Portanto, o que a
Sagrada Escritura descreve aqui se opõe a qualquer ideia de que os
fiéis serão levados ao Céu em corpo e alma antes de os mortos serem
ressuscitados no último dia.
O Evangelho de João também é explícito ao afirmar que a ressurreição
ocorrerá com fiéis e incrédulos ao mesmo tempo — no último dia. João 5,
28-29 diz: “Não vos admireis disso, porque virá tempo em que todos os
que se encontram nos sepulcros ouvirão a sua voz, e os que tiverem feito
obras boas sairão para a ressurreição da vida, mas os que tiverem feito
obras más, sairão ressuscitados para a condenação”.
João é também muito claro ao dizer que a ressurreição corpórea dos
fiéis só ocorrerá no último dia. João 6, 40 diz: “A vontade de meu Pai,
que me enviou, é que todo o que vê o Filho e crê nele tenha a vida
eterna; e eu o ressuscitarei no último dia”. E João 6, 54 diz mais
adiante: “O que come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia”.
Tribulação e sofrimento. — Já ouvi pessoas celebrando a
ideia do “arrebatamento” porque a crença comum é de que ele ocorrerá
antes da grande tribulação — o evento que se dará antes do fim dos
tempos. Segundo essa crença, os fiéis não terão de enfrentar sofrimentos
intensos. Mas, ao observarmos a Sagrada Escritura, fica claro que não é
isso que está sendo ensinado.
Em Mateus 23, 3-14, Jesus é explícito ao afirmar que os fiéis serão
entregues à tribulação e serão mortos. Apesar disso, Ele exorta os
discípulos a perseverar até o fim para serem salvos.
Além disso, os cristãos recebem o alerta de que serão perseguidos tal como Nosso Senhor foi perseguido (cf. Jo 15, 20; Mt 5, 10) e recebem a ordem de tomar sua cruz e seguir Jesus diariamente (cf. Lc
14, 27). Em Romanos 8, 17, São Paulo também nos diz que seremos
“coerdeiros de Cristo; mas isto, se sofrermos com ele, para ser com ele
glorificados”. E São Pedro escreveu: “Mas alegrai-vos de serdes
participantes dos sofrimentos de Cristo, para que vos alegreis também e
exulteis, quando se manifestar a sua glória”.
A Sagrada Escritura nos diz aquilo que sabemos a partir das nossas experiências terrenas: o sofrimento nesta vida é inevitável.
Deus não revela que a fé em Cristo nos permitirá escapar do sofrimento,
tal como o propõe o arrebatamento. No entanto, mesmo sabendo disso, não
precisamos ter medo nem aderir a uma falsa ideia como a do
arrebatamento. Ao invés disso, se estivermos em Cristo e unirmos nossos
sofrimentos aos dele, o sofrimento se tornará redentor e transformador. E
nessa verdade podemos nos alegrar verdadeiramente!
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