sábado, 25 de março de 2023

Cardeal Robert W. McElroy: "Me dói ser rotulado de herege"

Vida Nueva entrevista o Cardeal de San Diego, que denuncia que a "oposição ao Papa não quer completar o Concílio Vaticano II"


Por Ruben Cruz

 

Quando trocamos mensagens com o cardeal arcebispo de San Diego (Estados Unidos) em 12 de março, ele estava no Líbano junto com o bispo maronita dos Estados Unidos, Elias Zaidan. “Estou visitando para me solidarizar com a comunidade católica e ver como podemos ajudar mais”, explicou ao Vida Nueva. O único americano em quem Francisco confiou para criá-lo cardeal no último conclave em agosto de 2022 está no noticiário desde então.

Em janeiro e março, o cardeal, originário de São Francisco, compartilhou com 'America Magazine', a revista mensal dos jesuítas na América do Norte, dois artigos –que nos convidaram a traduzir e publicar em espanhol para maior divulgação– nos quais posiciona-se junto a muitos dos tradicionalmente excluídos da Igreja: mulheres, pessoas LGTBI, divorciados... Como era de se esperar, o rótulo de "herege" voltou à tona.

Nesta extensa entrevista, acompanhada dos dois artigos mencionados, podemos nos aproximar de sua pessoa, um cardeal que escolheu se atolar na defesa de um pontificado em um país que está determinado a derrubá-lo. Ali, muitos se sentem fora do jogo - e não têm intenção de parar para rever o VAR - porque "o Papa está disposto a explorar caminhos de ação pastoral na Igreja que não estejam circunscritos pelas formulações doutrinais existentes", sublinha o cardeal, que, aliás, sem pedir questionário prévio, não se esquiva de nenhuma pergunta feita.

PERGUNTA.- O Espírito Santo transformará a Igreja com o Sínodo da Sinodalidade ou em novembro de 2024 tudo permanecerá igual?

RESPOSTA.- Estou tentado a responder: nem um nem outro. A Igreja não terá sido transformada em 2024, mas definitivamente nem tudo será igual. As sementes terão sido semeadas para uma mudança fundamental na cultura da nossa igreja que criará uma Igreja de discernimento, participação, inclusão e alcance missionário notavelmente maior. Os contornos específicos dessa transformação não são claros para nós. Nem podem ser se quisermos permanecer fiéis ao desafio mais profundo da sinodalidade: estamos em uma jornada em que Deus conhece o caminho, mas nós não. É essa falta de clareza que preocupa muitos líderes da Igreja.

P.- Dez anos após o início deste pontificado, por que você acha que Francisco encontrou tanta oposição?

R.- Internacionalmente, a oposição a Francisco decorre de sua intenção de concluir o trabalho do Concílio Vaticano II, em vez de retroceder, bem como de sua inserção contínua das percepções e experiências espirituais do Sul Global na vida principal da Igreja.

P.- E nos Estados Unidos?

R.- Nos Estados Unidos, esses elementos são exacerbados pela preocupação de muitos católicos e líderes eclesiais de que o Papa esteja disposto a explorar caminhos de ação pastoral na Igreja que não estejam circunscritos pelas formulações doutrinárias existentes. A atenção de Francisco está voltada para a vida do crente em sua complexidade, e para como o Evangelho e a tradição da Igreja podem ser aplicados com eficácia e compaixão na vida de quem se esforça ardentemente para se aproximar de Deus e seguir seu caminho no meio de tantos desafios. Essa abordagem carece da clareza e da certeza em que muitos passaram a confiar em sua compreensão da fé.Mas encarna o método pastoral do próprio Senhor, que nos chama a aproximar-nos de cada pessoa primeiro com um abraço de amor, depois com ajuda e cura, e depois com o apelo à conversão e à mudança.

A imprensa 'católica'

P.- O Bispo de San Sebastián, Fernando Prado, proibiu a transmissão do conteúdo da EWTN na televisão diocesana. Ele defendeu sua decisão por adesão ao Papa. Deve haver limites para a crítica da mídia 'católica' ao Sucessor de Pedro?

R.- Preocupa-me a EWTN porque representa um gigante de poder econômico e cultural ligado a um ponto de vista religioso fundamentalmente crítico ao Papa. Os principais apresentadores da rede minimizam constantemente as habilidades e conhecimentos teológicos de Francisco, citam a calúnia do arcebispo Carlo Maria Viganò contra o papa e tentam afastar o mundo das reformas que o papa defende. Eu também não teria EWTN na mídia diocesana.

O papel das mulheres

P.- O Papa nomeou mulheres para cargos de responsabilidade na Cúria nestes dez anos. Em sua diocese, que papel eles desempenham?

R.- Tenho a sorte de ter mulheres que servem e dirigem a Igreja em todos os níveis da arquidiocese. Dos seis principais administradores leigos da diocese, três são mulheres: a chanceler, a diretora financeira e a superintendente das escolas. As mulheres dirigem as paróquias e, dentro da vida paroquial, ocupam predominantemente as funções pastorais e administrativas não clericais centrais. Todos os nossos órgãos consultivos a nível diocesano e paroquial têm uma ampla representação feminina.

P.- Diaconato feminino e ordenação feminina. Sim ou não?

R.- A Igreja deveria abrir o diaconato às mulheres, tanto porque isso reflete a história desse ministério como porque seria um passo significativo para a inclusão delas na vida da Igreja. Temo que a ordenação de mulheres ao sacerdócio neste momento divida profundamente a Igreja e, por isso, não deveria ser um objetivo do processo sinodal.

P.- O Papa pode ser classificado como feminista?

R.- Em muitos aspectos, é chocante classificar Francisco como feminista. Derrubou barreiras significativas para as mulheres na vida da Igreja e destacou continuamente o papel essencial que as mulheres desempenham na fé católica e na ação em todos os níveis. Mas ela ainda está buscando – e toda a Igreja – um marco teológico que apresente solidamente a igualdade das mulheres em toda a sua plenitude, em meio às culturas desiguais de nosso mundo católico.

Herege

P.- Você tem se destacado em seu ministério por estar ao lado de grupos excluídos como os divorciados ou LGBTI. Uma pastoral pela qual alguns o acusam de heresia. Esse adjetivo te machuca?

R.- Sim, me dói ser tachado de herege. Tal linguagem prejudica ainda mais a Igreja ao degradar o diálogo que devemos ter hoje em dia sobre as questões fundamentais que enfrentamos. Escrevi minha dissertação de doutorado em teologia sobre a obra de John Courtney Murray, um teólogo jesuíta continuamente denunciado como herege por seus escritos sobre liberdade religiosa, até a época do Concílio, quando sua posição foi consagrada na Declaração da Igreja sobre a liberdade religiosa. É vital que durante todos esses debates sobre questões doutrinárias resistamos à tentação de usar rótulos negativos para aqueles que assumem posições opostas às nossas.

P.- O Papa, para manter o ânimo, reza todos os dias a Oração do Bom Humor de Thomas More. Geralmente vemos você sorrindo. Você faz algo especial?

R.- Cresci em uma família que sempre encontrava humor e alegria nas experiências da vida cotidiana. Isso é uma grande ajuda em meu sacerdócio.

P.- No início de seu pontificado, o Papa disse: "Quem sou eu para julgar um homossexual que busca a Deus?" Essas palavras marcaram você de alguma forma ou sua consciência do coletivo LGTBI já vinha de antes?

R.- Cresci em São Francisco e fui sacerdote da arquidiocese por mais de 30 anos. A vida e as amizades das pessoas LGTBI sempre fizeram parte da minha perspectiva pastoral. Isso foi intensificado durante a crise do HIV na década de 1980, quando muitos jovens morriam dessa terrível doença. A Igreja tinha que estar presente com eles naquele momento e, como pároco, testemunhei a angústia e o sofrimento, a fé e a luta de tantos atingidos e suas famílias. Assim, minha perspectiva sempre foi de que as pessoas LGTBI são como todos nós, filhos de Deus que lutam para enobrecer o mundo em que vivemos.

 

Fonte - vidanuevadigital

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...