Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, condenai-as abertamente. (Ef 5, 8-11)
sexta-feira, 31 de março de 2023
Pelas mãos ou pelos pulsos: como Jesus foi crucificado?
Profecias do Antigo Testamento. Testemunhas do Novo Testamento. Tradição
oral. Registros históricos. Mil e quinhentos anos de arte cristã. Tudo
indicava que os pregos do Messias crucificado foram fixados nas mãos.
Até a década de 1930.
Por Paul Casey
Tradução Equipe Christo Nihil Præponere
De nossa parte, não há pretensão alguma de “bater o martelo” sobre
uma controvérsia que já se arrasta há décadas. O assunto deve continuar
a ser debatido com ampla liberdade pelos especialistas. Mas não deixa
de ser curioso que as recentes descobertas do Dr. Frederick Zugibe
venham ao encontro do que sempre creu a Igreja.
Et dicetur ei: Quid sunt plagæ istæ in medio manuum tuarum? Et dicet: His plagatus sum in domo eorum qui diligebant me (Vulgata). — Se alguém lhe disser: “Que ferimentos são esses em tuas mãos?”, ele responderá: “São ferimentos que recebi na casa de meus amigos” (Zc 13, 6).
Sim, rodeia-me uma malta de cães, cerca-me um bando de malfeitores. Traspassaram minhas mãos e meus pés (Sl 21, 17) [i].
“Vede minhas mãos e meus pés, sou eu mesmo; apalpai e vede […]”. E, dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés (Lc 24, 39s).
Dito isso, mostrou-lhes as mãos (Jo 20, 20).
Depois disse a Tomé: “Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos” (Jo 20, 27).
Profecias do Antigo Testamento. Testemunhas do Novo Testamento.
Tradição oral. Registros históricos. Mil e quinhentos anos de arte
cristã. Tudo indicaque os pregos do Messias crucificado foram fixados nas mãos.
Mas, pela primeira vez desde a Crucifixão de Cristo, surgiu há apenas
oitenta anos um debate que ainda está em curso e muitas vezes é marcado
por um tom rancoroso, baseado inteiramente nas suposições de um médico
bem-intencionado. O debate ainda é confuso porque tem como fundamento a
repetição de informações equivocadas. A verdade, no entanto, não deve
ser buscada em suposições, experimentos simples ou mesmo na análise de
palavras antigas (por exemplo, se “mão” poderia significar “punho”
[ii]), mas em evidências históricas e na ciência médica compreendida de
forma adequada [iii].
Não
há nenhuma evidência nos primeiros séculos da história da Igreja que
documente ou mesmo insinue que Cristo foi pregado na Cruz pelos punhos.
Com exceção dos relatos do Novo Testamento mencionados acima, a Igreja
primitiva é em boa parte silenciosa sobre o assunto — nada surpreendente
num mundo em que as manifestações de fé cristã eram consideradas crimes
capitais.
Depois de Constantino, no entanto, o temor diminuiu, e representações
da Crucifixão difundiram-se. Atualmente, há no Museu Britânico um crucifixo de mármore datado de 420 d.C. que, segundo creem, é a representação mais antiga que existe. A porta de madeira da Basílica de Santa Sabina, em Roma, também retrata a Crucifixão e remonta a 430–432 d.C. As duas representações mostram pregos nas palmas das mãos, não nos pulsos.
Aliados a essas representações históricas estão os próprios registros
históricos. Historiadores como Justo Lípsio [iv], John Hewitt [v] e
John Robison [vi], todos confirmaram que os pregos eram colocados nas
mãos. Martin Hengel enfatizou a regularidade da prática: “Convém notar
que na época do Império Romano a regra era pregar a vítima pelas mãos e pelos pés” [vii]. Foi esse o consenso — por 1900 anos.
Foi só na década de 1930, após a exposição do Santo Sudário em Turim,
que o Dr. Pierre Barbet (1884–1961), médico francês e cirurgião de
campo de batalha na I Guerra Mundial, propôs pela primeira vez a teoria
de que Cristo foi pregado na Cruz pelos pulsos, não pelas mãos, com base
em experimentos realizados por ele em cadáveres e em sua interpretação
do Sudário.
Sua obra de referência, A Paixão de Cristo Segundo o Cirurgião
(1950), é um relato detalhado dos diversos aspectos médicos da
Crucifixão. O livro, que foi o primeiro estudo desse tipo, aborda a
disposição dos pregos, a posição de Cristo na Cruz, a asfixia como causa
da morte e muitos detalhes. Muitos consideraram suas conclusões
definitivas porque ele alegou que tinha evidências médicas para
sustentar suas teorias.
Com relação à disposição dos pregos, ele realizou um breve
experimento que consistia em inserir um prego na parte central e macia
da palma da mão de um cadáver. Em seguida, observou que, quando o peso
era aplicado ao braço, como aconteceu a Cristo ao ser pendurado na Cruz,
o prego simplesmente rasgava a mão pelo vão entre os dedos.
Inexplicavelmente, ele não realizou nenhuma outra tentativa de
inserir o prego em outra parte da palma, mas simplesmente supôs que o
prego não podia ser colocado em nenhum outro lugar, devendo portanto ser colocado no pulso.
Ele
marcou um ponto na posição central, perto da dobra do pulso, no rumo do
dedo mindinho (imagem ao lado), o qual penetraria um vão entre quatro
ossos do pulso, conhecido como região de Destot [viii]. Barbet
demonstrou que um prego inserido nessa região poderia suportar o peso de
um homem crucificado e achou que esse local seria compatível com uma
revelação da Virgem Maria a Santa Brígida, segundo a qual “as mãos do
meu Filho foram perfuradas naquela parte onde o osso era mais sólido”.
Ele afirmou que o prego penetraria a parte de trás da mão
correspondente à ferida no Sudário, mas também afirmou erroneamente que o
cravo causaria danos no nervo mediano e no nervo ligado aos músculos do
polegar, provocando-lhe espasmos, o que explicaria a falta de
visibilidade dos polegares no Sudário.
As teorias de Barbet foram repetidas incessantemente ao longo de
oitenta anos em documentários televisivos, artigos de revistas,
capítulos de livros e sites na internet. Mas, apesar dos registros históricos que demonstram que os homens eram crucificados com cravos pregados nas mãos (mesmo na ausência de cordas de apoio) [ix], e dos outros extensos trabalhos experimentais que contradizem as hipóteses de Barbet, o debate continua.
Diferentemente de Barbet, o Dr. Frederick Zugibe, Ph.D. (1928–2013),
foi patologista forense (com doutorado em anatomia humana). Ele
trabalhou como médico legista por mais de trinta anos em Nova Iorque.
Como patologista forense (que é, essencialmente, um médico detetive que
determina causas de mortes), era mais capacitado do que Barbet para
comparar as marcas no Sudário com as descobertas médicas. Em The Cross and the Shroud
[“A Cruz e o Sudário”] (1988), Zugibe descreveu experimentos muito mais
detalhados, realizados por ele nas décadas de 1970 e 1980 (tendo à sua
disposição muito mais tecnologia do que Barbet), os quais provaram que
muitas das hipóteses de Barbet estavam incorretas.
Zugibe reconheceu vários erros na teoria de Barbet sobre os cravos no pulso:
Um cravo na região de Destot ficaria muito longe, na direção do mindinho, para corresponder à ferida vista no Sudário.
Um cravo na região de Destot não corresponderia às feridas de nenhum dos estigmatizados anteriores a Barbet.
Um
cravo colocado na região de Destot muito provavelmente não atingiria o
nervo mediano; portanto, deve haver outra razão para os polegares não
estarem visíveis no Sudário.
Zugibe
alegou que a ferida no Sudário (que representa a ferida de saída nas
costas da mão) ficava mais próxima do lado do polegar e mais distante
dos outros dedos do que admitira a posição de Barbet, apesar de ele ter
defendido a hipótese de que o cravo formara um ângulo ao atravessar o
pulso.
Zugibe realizou experimentos muito mais amplos com cadáveres e
demonstrou que, na verdade, o cravo poderia ser colocado na palma, na
região óssea entre os ossos de apoio do dedo indicador e do médio e os
ossos menores logo abaixo daqueles, sem quebrar nenhum osso (imagem ao
lado). Ao passar pela palma e pelas costas da mão, um cravo colocado naquela região sairia por onde a ferida é retratada no Sudário.
Assim como Barbet concluiu que um cravo colocado numa região óssea
poderia suportar o peso do corpo, também Zugibe mostrou por meio de
experimentos mais detalhados que essa região óssea não apenas suportaria
o peso do corpo [x] sem cordas de apoio, mas também seria condizente
com a crença tradicional segundo a qual os cravos foram colocados nas
palmas. O local indicado por Zugibe também é mais condizente com a
ferida no Sudário, com a revelação a Santa Brígida e com a posição em
estigmatizados como o Padre Pio.
Em
relação ao nervo mediano, Zugibe reconheceu que o cravo de Barbet não o
feriria. O nervo mediano supre a “barriga” do músculo palmar na base do
polegar, e seu caminho é marcado por um tendão no pulso chamado de palmaris longus.
O nervo mediano localiza-se logo abaixo desse tendão, ou no lado em
que ele está mais próximo do polegar. Porém, o cravo de Barbet passa
pela região desse tendão próxima ao mindinho, o que quer dizer que ele
não atingiria o nervo mediano. Aliás, ainda que um prego colocado em
outro lugar machucasse o nervo mediano, ele e os músculos do polegar
supridos por ele seriam paralisados, de modo que o polegar não seria
movido por aqueles músculos (agora paralisados), mas esticado pelos
outros, ainda operantes no lado oposto do pulso.
Zugibe levantou corretamente a hipótese de que a única razão pela
qual os polegares não são visíveis no Sudário é o fato de eles relaxarem
quando o pulso é dobrado após a morte (algo que ele viu diversas
vezes como patologista). Qualquer um pode demonstrá-lo com o próprio
pulso: se repousarmos a ponta do cotovelo sobre uma mesa, com os dedos
apontando diretamente para cima, enquanto a mão e o pulso ficam
relaxados e caem na direção da palma, os polegares caem muito abaixo dos
níveis dos outros dedos, e o Sudário, enrolado sobre os topos das mãos,
não entra em contato com os polegares.
Infelizmente, não obstante as passagens da Escritura e uma tradição
de quase dois mil anos que indicam que Nosso Senhor foi perfurado nas
mãos, especulações baseadas no breve experimento de um médico resultaram
numa controvérsia tão duradoura. Por mais que o Dr. Barbet estivesse
bem-intencionado, seus experimentos com cadáveres tiveram rigor
científico semelhante ao de alguns artistas medievais, que também
tentaram pregar cadáveres a cruzes para servirem de modelos (razão pela
qual descobriram que pregos colocados mais perto dos dedos acabavam por
se soltar), e seus pressupostos levaram-no a conclusões que não são confirmadas pelas evidências médicas.
À medida que os estudos científicos mais amplos conduzidos por Zugibe
e outros se tornarem mais conhecidos, esperamos que os fiéis sejam
edificados ao saber que a Igreja e seus artistas sempre estiveram
certos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário