domingo, 2 de julho de 2023

A prisão laranja

 

 

Por Tomás I. González Pondal


Já se disse, não sem razão, que a imaginação é "a louca da casa". Mas, livrando-nos dessa loucura por enquanto, vamos pedir ajuda a ela para imaginar algumas das cenas mais sãs possíveis.

Imagine que agora são oito da manhã e eles ligam para você. Ao atender, você ouve a voz de sua mãe dizendo: "Filho... me ajude, estou queimando!" A chamada é cortada. Desesperado, você tenta descobrir onde está sua mãe, mas sem sucesso. Ao meio-dia repete-se o mesmo chamado e a mesma reclamação: "Filho... me ajude, estou queimando!" E isso se repete à noite. Pelo bom senso entendemos que ninguém ficaria de braços cruzados. Há um dever imperativo que nos impele a ajudar quem amamos e sabemos que sofre. Bem, mencionamos três ligações ao longo de um dia inteiro. Vamos imaginar que de fato essas queimaduras fossem muito reais, mas apenas três vezes ao dia, as três indicadas. Só três, sim, mas: nunca nos queimamos?! Quem já foi queimado por um segundo (literalmente, espere um segundo!), você terá experimentado como é insuportável. Então, três queimaduras por dia já é algo terrivelmente insuportável. Ainda assim, vamos continuar. Chegamos até aqui, ativamos um pouco a imaginação. Não percamos o fio.

Por experiência, sabemos o que significa para nós queimar por um segundo. Conseguimos alcançar através da imaginação como seria queimar mais alguns segundos. Se ainda conseguíssemos estender nossas imagens para um minuto ou vários minutos, ficaríamos sem palavras. Agora: mais um esforço. Podemos imaginar como seria uma hora de queima? Se pode? E cinco horas? Pode? E quinze horas de fogo? você alcança? E vinte e quatro horas de chamas intensas? E três dias? E uma semana? E um mês? Um mês! E um ano inteiro? Impensável. Parece que não podemos mais. Parece-nos algo completamente impossível. Seria enlouquecedor saber que de fato um ente querido sofre um tormento incalculável. Mas mesmo assim: o que não faríamos nós para tentar aliviar aqueles sofrimentos da pessoa que dizemos amar, mesmo, se pudéssemos, fazê-los desaparecer?

Por analogia com o anterior, vejamos o que acontece depois da morte de quem morre na graça, mas ainda tem que pagar. Embora o que imaginamos nos parágrafos anteriores pareça exorbitante, inimaginável, excessivo tanto no tempo quanto no sofrimento, ainda assim ficamos aquém quando se trata do Purgatório. Numa mentalidade fora dos domínios da verdadeira fé, falar em sofrimento pelo fogo seria um convite ao desprezo de Deus. Mas, dos reinos da fé revelada, estamos diante da justiça e misericórdia divinas. Além da morte existe uma espécie de cárcere, hoje tão esquecido, chamado, repito, Purgatório. É um lugar de grande sofrimento, mas acolhido por quem o sofre com igual amor a Deus, justo e misericordioso. A alma aceita com amor determinado purgar ali o que não foi purgado aqui nesta vida. Não há nenhum tipo de questionamento da decisão divina, nenhuma reclamação rancorosa, nenhuma possibilidade de acrescentar qualquer novo pecado, por menor que seja. A alma purificadora já está confirmada na graça, a vontade já está firmada no Amor Divino, e a alma sofredora tem muita certeza de que, seja qual for o tempo que deva sofrer, chegará finalmente o tempo em que voará pura para o glorioso encontro eterno com Deus, Nosso Senhor. Os mortos em pecado mortal nunca vão para o Purgatório. Para este último está reservado o inferno eterno, ou seja, o lugar para onde irão os condenados e onde estão os demônios com suas cabeças, Satanás, um lugar eterno, sem possibilidade de mudança, muito triste, cheio de penas, de tormentos sem fim, da escuridão.

'Visitar os encarcerados' é uma das sete obras de misericórdia corporais, e 'rezar pelos vivos e pelos mortos' é uma das sete obras de misericórdia espirituais. Por alguma razão, os prisioneiros deste mundo nem sempre vão ser visitados, mas acho que não custa nada rezar por aqueles que estão presos no outro, no Purgatório, que por analogia também pode ser visto como uma prisão.

É imperativo que rezemos pelas almas purificadas. E como não sabemos ao certo onde estão os nossos entes queridos, onde esta ou aquela alma foi parar, devemos rezar diariamente por eles. Assim, nossas orações diárias pelos falecidos serão de imenso conforto para eles caso alguém ainda esteja passando pelas tristezas do lugar destinado a purgar, para voar para o céu.

Eu chamei o Purgatório de 'A Prisão Laranja', atento ao que, há fogo lá e as chamas aparecem para mim da cor indicada. O fogo do purgatório deve ser algo luminoso. As chamas do inferno queimam sem iluminar: escuridão ardente cheia de medo, desolação e tortura.

No Novo Testamento vemos que Cristo disse: “Se alguém falar contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; mas ao que falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste século nem no vindouro” (Mt. 12, 32). Com esse "tempo vindouro" ele se refere ao que acontece do outro lado desta vida. E se existe um lugar onde o perdão ainda pode ser alcançado, isso prova que existe o Purgatório.

O que mais conforta as almas do Purgatório são as Santas Missas que se pedem para elas. Eles são aliviados por nossas comunhões, orações e indulgências. O Santos Rosarios também é um excelente alívio, pois é um remédio muito eficaz para livrá-los do fogo. O dever é rezar diariamente para que eles saiam de lá. O que nos disse o grande Concílio de Trento? "Cuidai com grande diligência para que a sã doutrina do Purgatório, recebida dos santos Padres e dos santos concílios, seja ensinada e pregada em toda parte, e seja crida e preservada pelos fiéis cristãos." São João Crisóstomo disse estas belas palavras no século V: “Se os filhos de Jó foram purificados pelo sacrifício de seu pai (Jb 1, 5), por que duvidaríamos que nossas ofertas pelos mortos trazem algum conforto? (…)". Então não vamos duvidar!

Hoje praticamente não se pensa mais no Purgatório. Entra na conta do modernismo que pouco se leva em conta o conhecido local. Falar sobre o Purgatório, sobre o fogo, sobre as dores, sobre o sofrimento, sobre a purificação, aparentemente não faz bem aos ouvidos modernos. Deus seria um ser mau, se se submetesse a uma purificação. Tantos dizem para si mesmos: “Oh, o que é isso sobre o fogo?” Assisti a velórios onde o padre pouco mais já canonizou o falecido. Parece que para muitos, todos, ao passar, voam para o céu. E ainda é moda considerar que, quando os animais de estimação morrem, partem para uma morada celestial onde poderão desfrutar de saborosos pedaços de carne e inúmeras iguarias.

Poucos são, segundo o ensinamento dos santos, aqueles que após a morte entram diretamente no céu sem passar pelo Purgatório. Devemos pedir a Deus, sempre, todos os dias, que nos ajude a morrer bem, isto é, na sua amizade. A Virgem pediu penitência em Fátima, e mostrou aos três pastorinhos como um número imenso de almas, na forma como caem as gotas de chuva, foram precipitadas no inferno por, por exemplo, seguirem modas indecentes... Em suma, por viverem e morrer em pecado mortal, longe de Deus. A alma em graça que não foi capaz de reparar todos os seus pecados neste mundo, deve fazê-lo no próximo. Talvez tenhamos tocado nesse passo.

Rezemos por todas as almas do Purgatório e rezemos para que, se algum dia estivermos lá, outros rezem por nós.

Santa Catarina de Gênova afirma: “O Senhor é todo Misericórdia: está diante de nós de braços abertos para nos receber em sua glória. Mas também vejo que a Essência Divina é de tal pureza que a alma não pode manter seu olhar a menos que esteja absolutamente imaculada. Se tal alma encontrasse em si o menor átomo de imperfeição, ao invés de ficar com uma mancha na presença da Majestade Infinita, ela mergulharia nas profundezas do Inferno. Ao descobrir que o Purgatório está pronto para limpar as impurezas, a alma corre para ele; Além disso, ele considera que é graças a uma grande misericórdia que um lugar como este lhe é dado, para poder se libertar daquilo que o impede de acessar a Felicidade Suprema.

Belas são as palavras que se podem ler no livro do Antigo Testamento chamado Tobias. Dizem-nos: “a esmola liberta da morte, e é ela quem apaga os pecados e faz encontrar a misericórdia e a vida eterna” (Tobias 12, 9). Comentando esta passagem, o Bispo Straubinger ensinou: “Por esmola devemos entender aqui todas as obras de misericórdia. 'Assim como o fogo do inferno -diz São Cipriano- se apaga com a água salutar do batismo, assim a chama do pecado se apaga com a esmola e as boas obras'. 'Esmola – diz São Leão Magno – apaga os pecados e preserva da morte e do inferno'”. Como se vê, dar dinheiro ou algo material não se entende só por esmola, não. Todos os tipos de obras de misericórdia estão incluídos no termo “esmola”. Assim, não temos desculpa para dizer "não posso dar esmola", pois a gama de obras de misericórdia é tão ampla que deveríamos estar constantemente transbordando delas. O homem mais pobre do mundo em termos de dinheiro, pode ser muito rico em termos de esmola para dar.

Não façamos ouvidos moucos às seguintes palavras da Bíblia, negadas pelo protestantismo e - não poderia ser de outro modo - silenciadas pelo modernismo: "É, portanto, um pensamento santo e saudável rezar pelos defuntos, para que sejam livres de seus pecados" (2 Macabeus 12:46).

 

Fonte - adelantelafe

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