Autor: A. Llamas Palacios
A respeito das nulidades matrimoniais, muitas pessoas se permitem falar, muitas vezes superficialmente, com base em informações que ouviram aqui e ali, mas a declaração de que um matrimônio foi nulo é algo muito sério, e aqueles que a manifestam, em sua esmagadora maioria, querem viver plenamente sua fé.
“Um matrimônio no qual se sofre por ser um matrimônio não pode ser de Deus”, diz R., um jovem fazendeiro de Castilla la Mancha. Há cerca de cinco anos, ele se casou com uma moça, embora não tivesse certeza do que realmente queria. No ambiente de um pequeno vilarejo agrícola, R. achava que se casar era algo que ele tinha de fazer, especialmente de acordo com seu pai, que o pressionava a dar esse passo, caso contrário ele acabaria sozinho e, além disso, todas as suas irmãs já eram casadas.
Dias antes da cerimônia, ele conversou com o sacerdote que os casaria e expressou suas dúvidas. R. não se lembra de o sacerdote ter lhe dado qualquer resposta.
A cerimônia foi realizada. R. não conseguiu se impor à sua família, nem conseguiu superar o medo do escândalo que um rompimento com um matrimônio iminente causaria na aldeia. Desde o início, foi mais um inferno do que o que deveria ser a felicidade de um casal recém-casado. Ela o rejeitava até nos momentos mais íntimos. Eles nem sequer dormiam juntos. Em pouco tempo, ela saiu de casa.
Após a morte de seu pai em um acidente, R. tentou assumir o controle de sua vida, para que ela pudesse ao menos se assemelhar ao que ele sempre sonhou. Ele se separou e, ao mesmo tempo, iniciou o processo de nulidade. R. é católico e queria viver sua fé de forma consistente. Ele estava convencido de que o matrimônio era nulo e sem efeito, que não era válido, que as condições certas não haviam sido atendidas para que ele acontecesse. Ele contratou os serviços de uma advogada na cidade mais próxima de seu vilarejo, e ela cuidou de tudo. Então começou o período de espera. Um mês, dois, três… Um ano, dois, três. R. ligou tantas vezes para o bispado de sua diocese que eles pediram seriamente que ele parasse de ligar. R. passou três anos ligando e recebendo a mesma resposta: “Há apenas duas pessoas à sua frente”. No final, depois de três anos, o resultado foi negativo: o matrimônio, de acordo com a sentença, não era nulo e sem efeito.
Depois desse golpe, R. contratou outro advogado para recorrer ao tribunal de segunda instância. Isso foi há pouco mais de um ano, e R. está convencido de que os resultados serão favoráveis desta vez. De acordo com o tribunal eclesiástico daquela cidade, o veredicto será tornado público em um mês. Se for favorável, ele precisará da sentença final do Tribunal da Rota.
Para R., as coisas têm sido muito diferentes de uma diocese para outra. O perito e os funcionários do Tribunal dessa última diocese o trataram com carinho e retidão, como convém e como alguém que está sofrendo há quatro anos precisa ser tratado. “Minha experiência é que nem todos os tribunais funcionam da mesma maneira, e algumas pessoas não percebem o quanto está em jogo”, diz ele, explicando que nem sempre se sentiu bem-vindo.
Enquanto conversamos com R., relembrando os últimos anos de tribunais, ligações, advogados e espera, percebemos que ninguém, em quatro anos, o informou sobre as diferentes opções favoráveis oferecidas pela Igreja a qualquer pessoa que inicie um processo de nulidade. Estamos nos referindo ao patrocínio gratuito (todo o processo gratuito), à redução de custos ou aos patronos (advogados gratuitos). “É a primeira vez que ouço falar disso”, diz R.
A lenda negra das nulidades
A nulidade matrimonial é um tema bastante discutido na opinião pública, mas sobre o qual há uma grande falta de conhecimento. Há um certo desconforto no ar devido à lenda negra que persegue as nulidades, basicamente alimentada por muitos meios de comunicação, que contribuíram para disseminar o boato de que a nulidade do matrimônio é uma questão de dinheiro e influência, que às vezes é concedida a pessoas de moralidade muito duvidosa e que é um saque econômico para qualquer pessoa na rua que queira solicitá-la.
Mas a partir dos dados sobre os procedimentos para provar ou não uma nulidade e dos testemunhos das pessoas que trabalham nesse campo, surgem coisas muito diferentes. O que é verdade e o que é lenda sobre as nulidades matrimoniais?
Em seu discurso aos membros do Tribunal da Rota Romana, o Papa Bento XVI destacou alguns detalhes que não devem ser ignorados quando se fala de nulidades. Para a maioria dos cristãos que pedem uma declaração de nulidade de seu matrimônio, o motivo fundamental é poder reconstruir sua vida novamente, e reconstruí-la em fidelidade à doutrina católica. “Há muita coisa em jogo quando você pede uma nulidade”, disse R., o jovem de quem estávamos falando antes. E assim é. De fato, o último Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia, como Bento XVI lembrou no discurso acima mencionado, teve em mente a questão da nulidade do matrimônio em várias ocasiões. Teólogos e especialistas estão constantemente preocupados com o debate, ou a aparente contradição, entre o desejo de que os fiéis possam regularizar sua situação matrimonial para participar da Eucaristia e, ao mesmo tempo, a necessidade de serem justos nos Tribunais Eclesiásticos, dando ao conceito de nulidade matrimonial toda a sua importância e justiça. O que Bento XVI enfatizou, então, foi que os processos de nulidade matrimonial não se destinam “a complicar desnecessariamente a vida dos fiéis, muito menos a fomentar seu espírito contencioso, mas apenas a prestar um serviço à verdade”. Ele acrescentou: “O processo canônico de nulidade do matrimônio é essencialmente um instrumento para certificar a verdade sobre o vínculo conjugal".
Para a maioria das pessoas, o fracasso ou o colapso de um matrimônio destrói suas vidas. Na maioria das situações, não se trata de um matrimônio nulo; o que é verdade é que muitos fracassos, separações e divórcios poderiam ter sido evitados. Assim como muitas nulidades. É por isso que Bento XVI colocou o dedo na ferida quando disse, diante dos membros do Tribunal da Rota: “A sensibilidade pastoral deve nos levar a nos esforçarmos para evitar as nulidades matrimoniais, quando os noivos são admitidos ao matrimônio, e a fazer com que os cônjuges resolvam seus possíveis problemas e encontrem o caminho da reconciliação”.
Causas mais comuns de nulidade
O avanço de ciências como a psiquiatria e a psicologia levou a mudanças no Código de Direito Canônico de 1983. A partir de então, os transtornos de personalidade, ou qualquer outro problema dessa natureza, passaram a ser outra causa de nulidade. Essas causas são numerosas e estão claramente indicadas no referido Código. Mas, em geral, quatro delas são as mais comuns. O presidente do Tribunal Eclesiástico de Madri, Don Isidro Arnaiz, explica que “as causas ou capítulos mais comuns pelos quais se declara a nulidade matrimonial em nossos dias são, fundamentalmente: vícios de consentimento, incapacidade de assumir as obrigações do matrimônio, não aceitação da indissolubilidade do matrimônio e rejeição dos filhos”.
O primeiro, explica Isidro Arnáiz, “vícios de consentimento, pode ser devido à existência de um grave defeito de discrição no momento de contrair o matrimônio, como algum tipo de anomalia psíquica, ou circunstância especial, como, por exemplo, uma gravidez indesejada. Devido a essas circunstâncias, a pessoa não tem a liberdade interior necessária para decidir sobre o matrimônio. Por exemplo, uma mulher que engravida e se sente obrigada a se casar por causa disso. Por outro lado, existe a incapacidade de assumir as obrigações do matrimônio por motivos psicológicos. Se for comprovado que, no momento do matrimônio (naquele momento, não depois), havia algum tipo de distúrbio ou anormalidade que a impedia de assumir essas obrigações, o matrimônio é nulo e sem efeito. Mas estamos falando de distúrbios graves. Uma leve imaturidade não é motivo para a nulidade; ela precisa ter entidade suficiente e, para isso, existem os especialistas, que geralmente são psicólogos ou psiquiatras, que determinam até que ponto a pessoa estava prejudicada. Além disso, o tribunal se baseia nas provas documentais apresentadas, como cartas, atestados médicos, etc.”.
A advogada matrimonial Rosa Corazón, autora do livro Nulidades matrimoniais (ed. Desclée De Brouwer), explica que uma causa bastante comum também é o engano fraudulento. “Uma pessoa, homem ou mulher, que não tem a capacidade de ser fértil, pode se casar? -O advogado pergunta a Alfa e Ômega. Ele ou ela pode. A esterilidade, a falta de fertilidade, não é algo que torna o matrimônio nulo e sem efeito. Mas pode, se houver engano, se um, sabendo que é estéril, esconde isso do outro, porque sabe que é essencial para seu consentimento que o matrimônio tenha a possibilidade de procriação, e o engana, fazendo-o acreditar que não sabe, ou que é fértil. Isso é nulo e sem efeito, mas não por causa da incapacidade, mas por causa do engano fraudulento, forçado para obter o matrimônio”.
O engano doloso às vezes ocorre quando se trata da questão dos filhos. A advogada diz que já lidou com esses casos. Ela se lembra de um desses casos, o de um casal que havia se casado com a intenção de ter filhos no futuro. Mas o tempo passou, explica ela, “e quando ele lhe propôs ter filhos, ela respondeu mais tarde”. E fazia isso repetidamente, sempre que ele tocava no assunto. A verdade é que ela o havia enganado: ela nunca quis ter filhos. No julgamento, ela fez declarações em depoimento dizendo que os filhos não eram para ela, que eram um risco, que a fariam perder o tipo e o crescimento na carreira que desejava. Esse foi um caso claro de nulidade por exclusão da prole do matrimônio. Mas, no fundo, havia também um profundo distúrbio afetivo nela. E o fato é que aprender a amar exige um passo anterior.
A nulidade, um serviço
Quando uma pessoa recorre à Igreja para obter uma declaração de nulidade de seu matrimônio, o que ela pode querer é se casar com uma segunda pessoa, ter outra chance na vida, mas, acima de tudo, viver de acordo com suas convicções. É por isso que a Igreja vê o processo de nulidade como um serviço. As estatísticas preparadas anualmente por cada diocese (já que não há estatísticas para toda a Espanha) derrubam os estigmas que os Tribunais Eclesiásticos têm há muito tempo contra eles, com relação à duração dos processos e seu custo. Entretanto, como vimos no caso de R., sempre há exceções.
De acordo com Don Isidro Arnáiz, Presidente do Tribunal Eclesiástico de Madri, no ano de 2006, 203 casos de nulidade foram sentenciados. Desses, 155 foram declarados nulos e 48 foram declarados que não constava de nulidade. O tempo médio para um caso que não requer perícia é de cerca de 7 meses, e com perícia, leva cerca de 10 ou 11 meses.
Um dos argumentos mais utilizados quando se fala em nulidades é o econômico. O fato de haver algumas pessoas famosas que foram declaradas nulas contribuiu para a crença na sociedade de que a nulidade é obtida com um simples toque de caneta. Por outro lado, não há menção ao patrocínio gratuito, pelo qual a Igreja cobre todas as despesas, ou à redução de custos, ou à figura do patrono estável, algumas das opções que a Igreja disponibiliza para aqueles que precisam. A questão talvez seja como essas informações chegam às pessoas e se há informações corretas suficientes.
Fonte - presbiteros
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