terça-feira, 15 de outubro de 2024

Cardeal Gerhard Müller: “Quem não vê a confusão atual é porque é cego”

O Cardeal Gerhard Müller sublinhou a importância da perseverança na fé numa entrevista com Riccardo Cascioli, diretor de La Bussola Quotidiana. Num momento de incerteza doutrinária na Igreja, o cardeal lamenta a crescente confusão e alerta para o perigo de cair no relativismo, afirmando que o único guia seguro é manter a fidelidade a Cristo e à doutrina católica.

Müller: “Quem não vê a confusão atual é porque é cego”

A maioria dos bispos ficou aquém durante a crise ariana

 

Numa extensa entrevista concedida pelo Cardeal Gerhard Müller a Riccardo Cascioli, no âmbito dos encontros La Bussola Quotidiana, o prelado aborda questões fundamentais que afetam a Igreja atual, colocando especial ênfase na necessidade de perseverar na fé apesar de momentos de confusão. Müller, que foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, expressa a sua preocupação pela ambiguidade doutrinária que se estabeleceu em alguns setores da Igreja.

Referindo-se ao Evangelho de São Mateus (24, 11-13), onde se menciona o aparecimento dos falsos profetas e o esfriamento do amor, Müller destaca: «Esta passagem parece descrever com precisão o que vivemos hoje". Vemos como surge a confusão e quantos perdem o fervor na fé, mas o Senhor nos diz claramente que quem perseverar até o fim será salvo.

O cardeal nos lembra que a perseverança não é algo que os fiéis possam alcançar sozinhos, mas sim um dom de Deus: “Não podemos fazer nada sem a graça de Deus". É Ele quem nos dá forças para seguir em frente, especialmente quando as provações e as tentações nos dominam. Neste sentido, Müller destaca que a perseverança é a chave para superar a decepção e o desânimo que podem surgir, tanto pelas próprias dificuldades como pelas fraquezas dos outros dentro da comunidade cristã.

Confusão e ambigüidades doutrinárias

Durante a entrevista, o Prefeito Emérito de Doutrina para a Fé aborda a crescente confusão doutrinária dentro da Igreja, que ele descreve como uma ameaça real à unidade dos fiéis. Recordemos as palavras do falecido cardeal Carlo Caffarra, que já havia alertado que “quem não vê a confusão atual é porque é cego”. O Cardeal Müller critica a falta de clareza em alguns aspectos fundamentais da doutrina, salientando que há quem pareça querer construir uma Igreja “à medida dos seus próprios desejos”, o que leva a um perigoso desvio de fé.

Em particular, refere-se às tensões que surgiram em torno da figura do Papa e às interpretações contraditórias do seu ensinamento. Müller indica que, embora a figura do Papa seja central para a Igreja, não deve ser confundida com a instituição do Papado como um todo:

«É essencial distinguir entre o Papado e o Papa como indivíduo. “Os Papas são pessoas diferentes, com as suas próprias forças e fraquezas, e não estão isentos de erros nas suas decisões humanas”.

O cardeal explica que a missão do Papa, tal como Cristo a confiou a Pedro, é “confirmar a fé” dos fiéis, mas assegura que nenhum Papa deve agir de forma totalmente autónoma, mas antes precisa de ter bons conselheiros para o ajudar. discernir as melhores decisões para a Igreja. Neste sentido, sublinha a importância do “equilíbrio” entre o Papa e o Colégio dos Cardeais, bem como o valor das instituições eclesiais como o Sínodo dos Bispos, para garantir que a unidade e a fidelidade à doutrina sejam mantidas.

O papel dos fiéis e da perseverança

Quanto aos fiéis que se sentem desorientados pela falta de clareza doutrinária, Müller os encoraja a buscar conforto e força na Palavra de Deus, na tradição da Igreja e no ensinamento dos grandes teólogos e padres da Igreja:

«É necessário ler e estudar a Bíblia, o Catecismo e os grandes documentos da profissão docente. É também essencial recorrer à obra de teólogos de renome como Santo Agostinho, São Tomás de Aquino ou São João Henry Newman.

Müller também exorta os fiéis a rezarem pelos seus pastores e a apoiarem bispos e padres que se esforçam para ser guias firmes na fé. Ele reconhece que na história da Igreja houve momentos em que mesmo a maioria dos bispos não esteve à altura dos desafios, como nos tempos da heresia ariana, mas assegura que “a verdade sempre prevalece”:

“Tivemos algumas situações na história da Igreja em que até a maioria dos bispos não foi boa, como nos tempos do Arianismo. Ou, por exemplo, aqui na Alemanha e na Inglaterra, durante a Reforma Protestante, os bispos não foram capazes de dar uma resposta ou resistir aos novos erros que surgiram no seio da Igreja. “Seria muito importante encontrar bispos de grande estatura, que conheçam a doutrina da Igreja e que não estejam interessados ​​em falar segundo o gosto da maioria”.

A missão da Igreja não é um projeto político

O cardeal alerta para os perigos de uma abordagem meramente horizontal do cristianismo, que reduz a fé a um esforço para melhorar temporariamente o mundo sem levar em conta o verdadeiro propósito da vida cristã: a salvação. “Melhorar o mundo é uma coisa boa, mas não é a salvação”, diz Müller. “A salvação é superar a distância que existe entre Deus e nós por causa do pecado”.

Neste sentido, critica que alguns dentro da Igreja coloquem mais ênfase nas questões sociais e políticas, como as alterações climáticas ou as migrações, do que na missão fundamental da Igreja, que é levar as pessoas à salvação. Segundo o cardeal, estas são questões que correspondem principalmente ao Estado e aos políticos, enquanto a missão principal da Igreja é a salvação eterna das almas.

Jesus Cristo, único Salvador

Müller também se refere ao relativismo religioso, que considera que todas as religiões são igualmente válidas para chegar a Deus. “Jesus Cristo é o único Salvador”, ele insiste. «Nem todas as religiões são iguais, nem todas conduzem a Deus. Somente através de Cristo podemos ser salvos, e esta não é uma reivindicação feita por homens, mas pelo próprio Deus. Ele afirma que, embora a Igreja reconheça que pessoas de outras religiões podem ser salvas, isso não significa que todas as crenças sejam iguais ou verdadeiras.

O cardeal conclui reafirmando a importância da evangelização e do testemunho cristão no mundo de hoje:

“Jesus deu a vida por nós e nós somos chamados a fazer o mesmo, a ser testemunhas da verdade que é Cristo, único caminho que leva à vida eterna”.

Esta entrevista faz parte de uma série de encontros semanais organizados por La Bussola Quotidiana, que visa aprofundar temas essenciais para a vida de fé hoje. O tema central, “Perseverar na fé”, continuará a ser objeto de reflexão nos próximos encontros, que procuram oferecer clareza e orientação aos fiéis em tempos de incerteza.


 

 Fonte - infocatolica

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