Se a oração é a linguagem da esperança, o próprio fundamento e gramática do desejo sagrado, e se o Pai Nosso representa a maior expressão possível dessa esperança, por que Cristo precisaria dar voz a ela?
Por Régis Martin
Antes da missa na outra manhã, o padre, vestido com vestes vermelho-sangue, anunciou que diria uma missa votiva em honra ao apóstolo Pedro, oferecida em agradecimento a Deus por nos ter dado um líder e santo tão valente. Isso foi seguido por uma antífona de entrada que eu nunca tinha ouvido antes, mas que me impressionou muito, devido a um certo mistério oculto nela:
Aqui, então, está Jesus, em um contexto carregado de alto drama, dizendo ao futuro papa duas coisas extremamente importantes. O texto é uma frase de efeito retirada do Evangelho de Lucas, Capítulo 22, no qual Jesus, tendo acabado de instituir a Sagrada Eucaristia, se volta para seus onze discípulos, Judas já tendo saído da sala para ir e traí-lo, para resolver uma disputa mesquinha sobre qual deles é o maior. Brigas entre os irmãos não são o que Jesus precisa neste momento quando confrontado com o perigo iminente de prisão, tortura e morte. E então ele os repreende, dizendo: “Que o maior entre vocês se torne como o mais jovem, e o líder como aquele que serve.”
Ele então se volta para Pedro, transmitindo mais detalhadamente as duas mensagens das quais a Antífona de Entrada do outro dia havia fornecido uma versão condensada. A passagem inteira vai do versículo 31 ao 35, que vale a pena reproduzir por causa do mistério no cerne dela:
Observe como Pedro imediatamente protestará com Jesus, insistindo que faria qualquer coisa por ele. “Senhor, estou pronto para ir contigo para a prisão e para a morte.” Ao que Jesus faz a repreensão mais pungente de todas:
Agora, isso é o que você pode chamar de quebra-gelo. Mas como isso pode ser? Realmente faz sentido justapor as duas declarações da maneira que Jesus fez? Elas deveriam ser combinadas? O que deve ter significado para Simão Pedro ouvir Jesus falando daquela maneira? Ele poderia ter imaginado um cenário em que Cristo realmente precisaria orar por ele? Certamente não. Além disso, como o Deus Todo-Poderoso e Onisciente, por que ele precisaria orar? Esqueça Pedro. Por que Cristo precisa orar? E uma oração de petição, nada menos?
Mas observe o que se seguiu. Assim que Jesus prometeu orar por Pedro, ele prossegue pronunciando, presumivelmente com base no resultado feliz de suas orações, que ele então precisará se ocupar em fortalecer seus irmãos. “Não tenho eu”, Pedro poderia razoavelmente responder, “feito isso o tempo todo?”
Então, o que está acontecendo aqui? Por que, só para começar, Cristo, que tendo inventado a mais profunda e necessária oração peticionária de todas — o Pai Nosso — sentiria a necessidade de dizer uma ele mesmo? Não seria melhor nós rezá-la?
Afinal, se a oração é a linguagem da esperança, o próprio fundamento e gramática do desejo sagrado, e se o Pai Nosso representa a maior expressão possível dessa esperança, por que Cristo precisaria dar voz a ela ele mesmo? Ele não é Deus, afinal, e, portanto, em plena e perfeita posse da certeza sobre tudo?
A esperança é para os humanos; na verdade, ela é peculiarmente adequada ao nosso estado de criatura, que é o de Homo Viator, de estar a caminho e, portanto, ainda não ter chegado. O que significa, é claro, que ainda podemos perder o caminho e, assim, sucumbir a uma queda final no inferno. Mas Jesus não é como nós. Ele se autodenomina O Caminho, não alguém a caminho.
E que negócio é esse de exortar Pedro, que, depois de sua briga com o diabo, agora deve ir e fortalecer todos os outros? Quero dizer, se Cristo, o Filho de Deus, já previu o que vai acontecer, por que ele precisaria pedir ao Pai algo que ele simplesmente sabe que vai acontecer de qualquer maneira?
Sim, mas não é precisamente esse o mistério? Jesus também é um ser humano, o que significa que na ordem de sua humanidade não há bolas de cristal, nem voos fáceis além das estrelas onde tudo é conhecido de antemão e a liberdade humana não tem necessidade de se exercitar em busca do bem.
E não estamos esquecendo de outra coisa, que nos leva direto ao coração do mistério — ou devo dizer paradoxo — sobre a oração peticionária? Que a própria petição de Cristo ao Pai para que ele o poupasse do horror da crucificação parece não ter sido respondida de forma alguma. Pelo menos não de uma forma que o ser humano Jesus poderia ter desejado.
É por isso que, diante da aparente recusa do Pai em perdoar a dor da Cruz, Cristo se apegará com toda a força de que sua humanidade é capaz ao puro mistério do plano do Pai. Uma inescrutabilidade impossível para qualquer homem desvendar, e é por isso que Jesus deixará de lado suas próprias preferências, submetendo-se, em vez disso, ao Pai a quem ele ama acima de tudo. “Não a minha vontade”, ele diz no próprio extremo de sua agonia e medo, “mas a Tua seja feita”.
Que mistério sublime e inescrutável enfrentamos aqui! Que Cristo, a Palavra eterna do Pai, devesse escolher livremente esvaziar-se de tais perfeições — perfeições que lhe pertencem por força de sua própria divindade — para entrar no estado humano em todos os seus detalhes abjetos e confusos, até se tornar um de nós em todas as coisas, exceto no pecado.
Isto porque Deus é Aquele que Espera, como o poeta Péguy dirá, que, ao ver a bagunça que fizemos das coisas, na verdade espera que com um ou dois empurrões de graça possamos chegar em casa em segurança. E quando o fizermos, temos a certeza do próprio Deus, uma alegria maior será manifestada do que para aqueles justos que nunca precisaram de ajuda ao longo do caminho.
“Mas o pecador que foi embora e quase se perdeu”, continua Péguy, e aqui pensamos em Pedro e no diabo que procurou peneirá-lo como trigo,
Com sua própria partida...
Ele despertou o medo e assim fez brotar a própria esperança do próprio coração Orde Deus,
Do coração de Jesus
O estremecimento do medo e o calafrio,
O tremor da esperança.
É precisamente devido à miséria dos nossos pecados, veja bem, que Jesus entrou em um estado tão terrível:
Por causa dessa ovelha perdida, Jesus experimentou o medo no amor.
E o tipo de tremor que a esperança divina cria no próprio amor.
Jesus como homem veio a conhecer a ansiedade humana,
Jesus se fez homem,
Ele veio a conhecer o que é a ansiedade no próprio coração do amor...
Mas assim ele também veio a conhecer o primeiro indício do despertar da esperança.
Quando a jovem virtude esperança começa a surgir no coração do homem,
Sob a casca áspera,
Como o primeiro broto de abril.
– de O Portal do Mistério da Esperança
Fonte - crisismagazine
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