segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Suma de Teologia de São Tomás de Aquino, volume 2

 PERGUNTA 7: AS CIRCUNSTÂNCIAS DOS ATOS HUMANOS

1. O que queremos dizer com circunstâncias? - 2. O teólogo deve prestar atenção às circunstâncias das ações humanas? - 3. Quantos são? - 4. Quais são os mais fundamentais?

 

 

ARTIGO 1: O que queremos dizer com circunstâncias?

Objeções:


1. Parece que a circunstância não é um acidente da ação humana, porque, para Cícero, uma circunstância é “aquilo que a arte da oratória acrescenta à autoridade e solidez de um argumento”. Mas a oratória fortalece o argumento ao basear-se no que diz respeito à própria substância da coisa, como definição, gênero, espécie, etc. É a partir disso que o orador deve argumentar, no ensinamento de Cícero. Uma circunstância não é, portanto, um acidente da ação humana.

2. A natureza do acidente é inerente. O que cerca uma coisa não é inerente a ela, mas sim externo. As circunstâncias não são, portanto, acidentes das ações humanas.

3. Um acidente não tem acidentes. Mas os próprios atos humanos são acidentes. Portanto, as circunstâncias não são acidentes de ações.

4. No sentido oposto, as condições particulares de uma coisa singular são chamadas de acidentes que individuam essa coisa; agora Aristóteles chama as circunstâncias de particularidades, isto é, condições particulares de atos singulares. Assim, as circunstâncias são acidentes individuais das ações humanas.

Conclusão:

Visto que os nomes são, segundo Aristóteles, “os sinais dos nossos pensamentos”, é necessário que a ordem de nomenclatura esteja de acordo com a do conhecimento intelectual. Mas isso vai do mais conhecido ao menos conhecido. É por isso que, connosco, os nomes também são transferidos dos mais conhecidos para os menos conhecidos. É assim que, diz Aristóteles, a palavra distância, que diz respeito principalmente a uma situação local, é usada para designar qualquer oposto. Da mesma forma, utilizamos palavras relativas ao movimento local para designar outros movimentos, porque o que melhor conhecemos são os corpos, que o lugar circunscreve. Daí decorre que a palavra de circunstância passou dos objetos localizados no lugar para as ações humanas.

Porém, em matéria de lugar, dizemos que uma coisa circunscreve outra (circunstare) quando, sendo uma realidade externa a ela, a toca ou se aproxima localmente. Da mesma forma, chamamos circunstâncias (circumstantiae) de condições que, embora estejam fora da substância do ato humano, ainda assim o afetam de alguma forma. E porque chamamos de acidente tudo o que está fora da substância de uma coisa,ao mesmo tempo em que se refere a isso, deve-se dizer também que as circunstâncias dos atos humanos são acidentes para esses atos.

Soluções:


1.
A oratória dá força a um argumento principalmente quando se baseia na substância do ato, mas também secundariamente por referência às circunstâncias. Assim, uma pessoa é passível de acusação porque cometeu homicídio, mas secundariamente porque o fez com astúcia ou ganância, ou num tempo e lugar sagrado, ou em outras circunstâncias deste tipo. Também Cícero declara expressamente que, ao basear-se nas circunstâncias, a oratória "acrescenta" solidez ao argumento, de forma secundária.

2 . Pode-se dizer que uma coisa é o acidente de outra de duas maneiras. Ou isso é inerente a ele; assim a branquitude é um acidente de Sócrates. Ou se encontra simultaneamente com esta coisa no mesmo sujeito; nesse sentido diz-se que a branquitude se relaciona acidentalmente com a qualidade de músico, pelo fato de essas duas coisas se encontrarem, e de alguma forma se tocarem, no mesmo sujeito. É por esta última razão que as circunstâncias são chamadas de acidente de ações.

3 . Como acabamos de dizer, um acidente torna-se outro acidente pelo seu encontro no sujeito. Mas isso acontece de duas maneiras. Que dois acidentes se relacionem com o mesmo assunto sem que haja qualquer ordem entre eles, como a branquitude e a qualidade de músico em Sócrates; ou que se relacionem com ele de forma ordenada, assim quando o sujeito recebe um acidente por intermédio do outro, como o corpo, por exemplo, recebe a cor por intermédio da superfície. É desta forma que se diz que um acidente é herdado de outro; dizemos, com efeito, que a cor está na superfície. Ora, as circunstâncias podem relacionar-se com os atos destas duas maneiras: algumas delas determinam o agente sem a intervenção do ato, como o lugar ou a condição da pessoa, enquanto outras o fazem por intermédio do ato, como o modo de agir.

ARTIGO 2: O teólogo deve prestar atenção às circunstâncias das ações humanas?

Objeções:


1.
Não, ao que parece. Pois o teólogo considera os atos humanos apenas na medida em que são qualificados, isto é, bons ou maus. Mas as circunstâncias não parecem ser capazes de fazer com que os atos humanos sejam assim, porque nada pode ser formalmente qualificado pelo que está fora de si, mas apenas pelo que está dentro. As circunstâncias dos atos, portanto, não precisam ser consideradas pelo teólogo.

2. As circunstâncias são os acidentes das ações. Mas os acidentes, num único assunto, podem ser infinitos. É por isso que, observa Aristóteles, “nenhuma arte ou ciência toma o ser por acidente como seu objeto, com exceção do sofisma”. O teólogo, portanto, não precisa levar em conta as circunstâncias dos atos.

3 . O exame das circunstâncias cabe ao retórico. Ora, a retórica não faz parte da teologia. O teólogo, portanto, não precisa se preocupar com as circunstâncias.

Porém:

para S. João Damasceno e S. Gregório de Nissa, o desconhecimento das circunstâncias provoca a involuntária. Mas o involuntário desculpa a culpa, cujo estudo cabe ao teólogo. Portanto, a consideração das circunstâncias está dentro de sua competência.

Conclusão:

As circunstâncias devem ser levadas em consideração pelo teólogo por três razões.

tem. Ele considera os atos humanos como eles ordenam o homem à bem-aventurança. Mas tudo o que é ordenado para um fim deve ser proporcional a ele. Ora, os atos humanos são proporcionais ao seu fim, segundo uma certa medida que resulta precisamente de circunstâncias justas. O estudo das circunstâncias, portanto, diz respeito ao teólogo.

b. O teólogo considera os atos humanos na medida em que existe o bem e o mal, o melhor e o pior; mas veremos que esta diversidade se deve às circunstâncias.

c. O teólogo considera os atos humanos como meritórios ou demeritórios, propriedades que são apropriadas a esses atos e que pressupõem que sejam voluntários. Mas, como foi dito, um ato humano é julgado voluntário ou involuntário devido ao conhecimento ou ignorância das circunstâncias. Por todas estas razões, a consideração das circunstâncias cabe ao teólogo.

Soluções:

1.
Chama-se útil o bem que se ordena a um fim, o que implica uma determinada relação; é por isso que Aristóteles afirma que “na relação de gênero, o bom é o útil”. Mas nas coisas que são ditas de forma relativa, não há apenas denominação pelo que é intrínseco, mas também pelo que é acrescentado de fora, como aparece para a direita e para a esquerda, para o igual e para o desigual, etc. É por isso que, se os atos são bons na medida em que são úteis para um fim, nada impede que sejam declarados bons ou maus de acordo com a sua relação com certas coisas que lhes são acrescentadas de fora.

2. Os acidentes totalmente acidentais são, pela sua incerteza e pela sua infinidade, deixados de lado pelas artes. Mas as circunstâncias não são acidentes deste tipo, porque, se são externas ao ato, não obstante o afetam,sendo ordenado a ele. Os acidentes propriamente ditos, por outro lado, são domínio do art.

3.O exame das circunstâncias cabe igualmente ao moralista, ao político e ao retórico. Para o moralista, desde que pelas circunstâncias alcancemos ou não o meio-termo da virtude nos atos e paixões humanas. Para o político e para o retórico, conforme as circunstâncias os atos se tornem louváveis ou censuráveis, desculpáveis ou condenáveis, mas de maneiras diferentes, porque onde o retórico convence, o político decide. Finalmente, ao teólogo a quem todas as outras artes estão subordinadas, este exame cabe a todos estes títulos. Porque ele se junta ao moralista ao considerar os atos como virtuosos ou viciosos; e considera as ações conforme merecem punição ou recompensa, de acordo com o retórico e o político.

ARTIGO 3: Quantas circunstâncias existem?

Objeções:


1.
Parece que a sua enumeração no Livro III da Ética de Aristóteles é inadequada. Na verdade, o que lhe é externo é chamado de circunstância de um ato. Estes são o momento e o lugar. Portanto, existem apenas essas duas circunstâncias.

2. Pelas circunstâncias julgamos que algo foi bem ou mal feito; mas isso se deve ao modo de agir; todas as circunstâncias são conseqüentemente reduzidas a uma única que é o modo de agir.

3. As circunstâncias não fazem parte da substância do ato; mas as causas de um ato parecem estar relacionadas com a substância. É portanto necessário excluir da enumeração das circunstâncias “quem”, “porquê”, “sobre o quê”, porque “quem” pertence à causa eficiente; “por que” para a causa final, “em torno do quê” para a causa material.

Contudo:

há aí a autoridade de Aristóteles.

Conclusão:

Cícero lista sete circunstâncias que afirma em versos latinos: "Quem, o quê, onde, por que meios, por que, como, quando." Num acto, de facto, devemos considerar quem o fez, por que meios ou instrumentos o fez, o que fez, onde, porquê, como, quando o fez. Mas Aristóteles acrescenta outro: “sobre o quê”, que Cícero havia entendido no “o quê”.

Aqui está como podemos justificar esta enumeração. Dá-se o nome de circunstância àquilo que, existindo fora da substância de um ato, ainda assim o afeta de alguma forma. Ora, isto pode ocorrer de três maneiras: ou é o próprio ato que é afetado, ou é sua causa, ou é seu efeito. Se for o ato, a circunstância pode ser medida, como “tempo” e “lugar”, ou qualificadora, como “forma de ação”. Se for esse o efeito, consideramos “o que”, o que alguém fez. Se esta for a causa do ato,temos do lado da causa final o “porquê”, do lado da causa material ou do objeto “sobre o quê”, finalmente do lado da causa agente “quem” para a causa principal, e “por que meios” pela causa instrumental.

Soluções:

1.
Tempo e lugar envolvem o ato por modo de medição; outras circunstâncias o envolvem, afetando-o de alguma outra forma, embora permaneçam fora de sua substância.

2. A modalidade do bem e do mal não é uma circunstância, mas surge de todas as circunstâncias. Pelo contrário, o modo, que se refere à qualidade do ato, é uma circunstância particular; daí o fato de andar rápido ou devagar, de bater forte ou suavemente, etc.

3. O que chamamos de circunstância não é a condição da causa da qual depende a própria substância do ato, mas alguma outra condição acrescentada. Assim, no que diz respeito ao objeto, o fato de ser propriedade alheia não é circunstância de furto, pertence à sua própria essência; mas é um, quer esse bem seja grande ou pequeno. O mesmo se aplica a circunstâncias relacionadas com outras causas. Não é o fim que especifica o ato que é circunstância, mas um fim acrescentado; se, por exemplo, alguém que é forte age fortemente por causa do bem da força, isto não é uma circunstância, mas é uma circunstância se ele age fortemente pela libertação da cidade ou do povo cristão, ou por qualquer outra razão semelhante . O mesmo acontece com o “o quê”: derramar água em alguém para lavá-lo, não é circunstância de ablução; mas quer ao lavá-lo o esfriemos ou o aqueçamos, quer o curemos ou o danifiquemos, estas são circunstâncias.

ARTIGO 4: Quais das circunstâncias são as mais fundamentais?

Objeções:


1.
Não parece que as circunstâncias fundamentais sejam “por que” e “em que consiste a operação”, como afirma Aristóteles. Na verdade, o tempo e o lugar parecem constituir “aquilo em que” a operação é realizada. Contudo, por serem as mais externas ao ato, estas circunstâncias não parecem ser fundamentais. Portanto, “o que” não constitui as circunstâncias mais fundamentais.

2 . O fim é extrínseco à coisa. Portanto, não parece ser a mais fundamental das circunstâncias.

3. O que há de mais fundamental numa coisa é a sua causa e a sua forma. Ora, a causa do ato humano é a pessoa que o realiza, e a sua forma é o seu modo. Estas duas circunstâncias parecem ser as mais fundamentais.

Contudo:

São Gregório de Nissa afirma que as circunstâncias mais fundamentais são “aquilo por que se age” e “o que é feito”.

Conclusão:

Os atos são chamados propriamente humanos, como dissemos, na medida em que são voluntários. Mas a vontade, em última análise, tem o seu motivo e o seu objeto. É por isso que a circunstância mais fundamental é aquela que afeta o ato do ponto de vista do seu fim, ou seja, “por isso”; depois vem aquilo que atinge a própria substância do ato, ou seja, “o que ele fez”. Quanto às restantes circunstâncias, a sua importância mede-se pela maior ou menor proximidade que têm com estas duas.

Soluções:

1
. “Aquilo em que” a operação é realizada não significa aqui para Aristóteles o tempo e o lugar, mas o que é acrescentado ao próprio ato. É por isso que, explicando de alguma forma a afirmação do Filósofo, São Gregório de Nissa coloca “o que se faz” em vez de “aquilo em que se realiza a operação”.

2 . O fim, embora não pertença à substância do ato, é no entanto a sua causa mais fundamental, porque impulsiona o agente a agir; é por isso que o ato moral se especifica sobretudo pelo seu fim.

3. Quem age é causa do ato na medida em que é movido pelo fim, e é neste sentido que está fundamentalmente ordenado ao ato; quanto às demais condições da pessoa, não estão ordenadas ao ato de forma tão fundamental. O modo aqui em questão não se confunde com a forma substancial do ato (esta de fato resulta no ato a partir do objeto e do termo ou do fim), é apenas uma espécie de qualidade acidental.

Consideremos agora os atos voluntários em particular. Primeiro, aqueles que procedem imediatamente da vontade porque são emitidos por ela (atos elícitos (Questão 8-16)); em segundo lugar, atos comandados (imperativos) pela vontade (Questão 17).

Mas a vontade é dirigida tanto para o fim como para os meios. Assim estudaremos primeiro os atos pelos quais a vontade se move em direção ao fim (Questão 17); e depois aqueles pelos quais se move em direção aos meios.

Os atos relativos ao fim parecem ser três: a vontade (Questão 8), o gozo (Questão 11), a intenção (Questão 12); vamos estudá-los nesta ordem.

O primeiro destes atos, por sua vez, suscita três considerações que dizem respeito: 1. ao objeto do testamento (Questão 8); 2. o que o move (Questão 9); 3. o modo desta moção (Pergunta 10).

 

Fonte - gloria.tv

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