A racionalidade e a fé rejeitam a possibilidade de conhecer o futuro: isso foi explicado pelo grande teólogo medieval, que definiu claramente o que corresponde às ciências naturais, o que está sob a providência de Deus... e o que é pura superstição, prejudicial aos seres humanos.
Por Luis Santamaria del Rio
Em 2025, completarão 800 anos do nascimento de Santo Tomás de Aquino, um padre dominicano italiano que marcou um antes e um depois na história do pensamento ocidental (veja as catequeses de Bento XVI sobre ele: parte 1 - parte 2 - parte 3). Filósofo reconhecido dentro e fora do cristianismo, soube aliar o sistema aristotélico à fé, apresentando uma síntese que teve notável influência nos séculos seguintes na forma de uma obra monumental: a Summa Theologiae.
Entretanto, os escritos do Doutor Angélico — como ele é conhecido, entre outros títulos — não se limitam à famosíssima Suma. Ele foi autor de vários tratados, entre os quais estão dois panfletos pouco conhecidos: um sobre astrologia e outro sobre o costume de "lançar sortes". No foco do teólogo, a análise a partir da razão e da fé de algumas práticas cuja moralidade está em questão, por recair no âmbito da superstição.
As razões para alguns escritos muito especiais

Estudiosos datam De sortibus ("Sobre os Lotes") e De iudiciis astrorum ("Sobre os Julgamentos das Estrelas") por volta do ano 1270. Por que é importante saber a data da escrita? Porque ambos os escritos não apenas representam uma reflexão teórica sobre um problema prático da vida cotidiana dos crentes — se devem ou não confiar na sorte e nas estrelas — mas também respondem a circunstâncias específicas. De fato, entre 1268 e 1272 a sede papal ficou vaga por 34 meses, e na diocese italiana de Vercelli, profundamente dividida quando se tratava de escolher o sucessor de um bispo falecido, eles quiseram recorrer à sorte para fazê-lo (e consultaram o sábio dominicano).
É preciso também levar em conta o contexto intelectual da época, especialmente na Universidade de Paris, onde o Irmão Thomas era professor de Teologia. Em 1270, o bispo da capital francesa condenou como heréticas algumas ideias que eram ensinadas na academia (onde a filosofia aristotélica, base racional do pensamento tomista, era muito popular), e entre elas estavam a negação da providência de Deus e o determinismo. Poucos anos depois, o mesmo prelado parisiense rejeitou, entre muitas outras teses, a de que “nossa vontade está sujeita ao poder dos corpos celestes”. Foi uma época muito delicada, e os importantes avanços intelectuais feitos por Santo Tomás de Aquino e seu mestre Santo Alberto Magno, entre outros, foram vistos com suspeita de heresia.
Acaso, fortuna e conhecimento do futuro

O acaso existe? A experiência cotidiana mostra que há coisas que acontecem por acaso. Podemos então pensar que a sorte existe e, consequentemente, que há pessoas com "boa sorte" e pessoas com "má sorte", pessoas sortudas e azaradas? E, seguindo essa linha de raciocínio: é possível saber de antemão qual será o resultado do acaso? O conhecimento científico é capaz de prever o que acontece por necessidade, não por coincidências. Existe algo como outro tipo de conhecimento? Todas as propostas de adivinhação, clarividência e outras — erroneamente chamadas — "ciências ocultas" respondem afirmativamente a esta questão. No final, o destino estará escrito, e tudo o que você precisa é da habilidade certa para conhecê-lo (prevê-lo). É assim que caímos no determinismo: tudo é determinado de antemão... de modo que o ser humano não é verdadeiramente livre.
Além do fato de que essa pretensão de conhecer o futuro — seja pela sorte ou pela astrologia — é claramente irracional, ela é diretamente rejeitada pela fé cristã, uma vez que se considera que somente Deus pode conhecer o futuro. E assim entramos na grande questão teológica e filosófica de como conciliar a providência divina com a liberdade humana.
E a adivinhação?

Em seu tratado De sortibus, São Tomás de Aquino explica que "os homens consultam o destino em assuntos humanos que de alguma forma lhes dizem respeito, mas que por sua própria prudência não lhes é dado conhecer ou executar". Após refletir sobre diversas ocasiões comuns em que as pessoas recorrem ao "lançamento da sorte" para obter algo, ele comenta que outras vezes "os homens, para saber algo sobre acontecimentos futuros, às vezes decidem recorrer à sorte, e esse tipo de sorte podemos chamar de sorte divinatória, pois aqueles que preveem o futuro são chamados de adivinhos, como se atribuíssem a si mesmos o que pertence a Deus".
Dessa forma, ele acrescenta, "de muitas maneiras, as pessoas buscam conhecimento daquelas coisas que estão além da capacidade humana. Alguns exigem uma resposta clara de Deus ou de demônios." O primeiro corresponde às profecias no sentido que aparecem na Bíblia, e é um dom divino. O segundo, ao contrário, corresponde aos "necromantes, que, por meio de encantos e sacrifícios aos demônios, solicitam alguma resposta". Da mesma forma, outros "buscam diligentemente informações em algumas coisas ocultas": as estrelas, os animais, as linhas da mão, etc.
Seja como for, "a sorte é uma investigação do oculto que excede a capacidade humana, realizada por algo feito por nós", como explica Tomás de Aquino. Quando realizada por meio da astrologia, acredita-se que “todos os atos, eventos e coisas humanas estão sujeitos à necessidade dos astros” e, portanto, “o futuro pode ser previsto”, já que as ações e decisões do homem “vêm da força astral”. Alguns até dizem que eles influenciam sonhos que incluem presságios. Mas São Tomás nega isso, pois “não é possível que os corpos celestes influenciem algo incorpóreo”.
As estrelas não podem influenciar o intelecto e a vontade

Seguindo esse mesmo raciocínio, o pensador dominicano afirma que os astros influenciam questões naturais de natureza física, como o clima, as estações do ano ou o estado do mar, mas não podem afetar o intelecto e a vontade do ser humano. "E como todos os atos humanos procedem principalmente do intelecto e da vontade, não é possível, pela inspeção dos corpos celestes, prever com certeza o futuro dos atos dos homens." Uma ideia que ele enfatiza ao apontar que "da disposição das estrelas não decorre nenhuma necessidade de ação do homem".
E se um médium estiver certo? "Às vezes, os astrólogos, ao inspecionarem as estrelas, preveem coisas verdadeiras", mas esses são "eventos comuns", porque "em certos aspectos eles frequentemente erram por causa da razão, que não está sujeita aos corpos celestes". Santo Tomás também alerta para um perigo enfrentado por aqueles que recorrem à adivinhação: "Quando, por sorteio ou por qualquer outro meio, os homens procuram coisas ocultas, fora da ordem adequada, os demônios intervêm para induzir os homens ao erro, sob o pretexto da adivinhação".
A rejeição cristã da superstição

Então, é permitido ou não usar a sorte? Esta é a análise moral da questão. A primeira resposta do pensador é direta: "Nenhum cristão tem permissão para fazer pacto ou parceria com demônios". E aqui inclui "não apenas as invocações abertas a demônios que alguns necromantes usam, mas também qualquer pacto secreto com demônios". Estamos lidando com uma prática supersticiosa, não importa como ela seja feita.
Santo Tomás de Aquino esclarece, neste sentido, que "chama-se superstição nociva aquela que evidentemente contém algo ilícito, como invocações e sacrifícios a demônios ou coisas desse tipo. Enganosa é o que se chama quando alguém que faz uso de algo lhe atribui um poder que ele não possui, o que parece ser feito em vão." E ele dá o seguinte exemplo: "Quando, contra uma doença, um doente toma um certo remédio que pode curá-lo, não há engano supersticioso; mas se alguém amarrasse no pescoço certas coisas que de forma alguma se relacionam com a saúde, mesmo de acordo com as indicações dos médicos, então isso parece estar relacionado à superstição enganosa."
Da mesma forma, em De iudiciis astrorum, que é um escrito muito mais curto, o Doutor Angélico reitera que não há erro — nem pecado — em pensar que "o poder dos corpos celestes produz mudanças nos corpos inferiores", expressando assim que essas são questões específicas da física. Portanto, "não há problema em usar o julgamento dos astros para entender os efeitos corporais", como acontece com fazendeiros, marinheiros ou médicos.
Adivinhação: A Morte da Liberdade

Entretanto, "a vontade do homem não está sujeita à necessidade das estrelas, pois, de outra forma, o livre-arbítrio pereceria, por cuja aniquilação nem boas obras seriam imputadas ao homem como mérito, nem más obras como culpa". Em outras palavras: se a astrologia pudesse prever as ações futuras dos seres humanos, estaríamos diante da fatalidade de um destino inevitável marcado pelos astros e planetas, e a liberdade não seria possível.
Se isso é algo que deriva da razão e do senso comum, de onde vem a atração das práticas divinatórias astrológicas? Por que elas são consideradas verdadeiras? Segundo São Tomás, “o diabo, para induzir todos ao erro, interfere nas ações daqueles que consultam os julgamentos dos astros”. E ele cita Santo Agostinho, que atribui os sucessos ocasionais dos astrólogos ao "trabalho do espírito sedutor, a quem é permitido conhecer algumas verdades sobre coisas temporais".
E, depois de algum raciocínio que já vimos em seu outro escrito — aquele dedicado à legalidade dos destinos — o sábio dominicano conclui, como no primeiro folheto, que "deve-se considerar certo que é pecado grave recorrer ao julgamento dos astros naquelas coisas que dependem da vontade do homem", especialmente levando em conta a possível influência demoníaca nessas práticas.
Fonte - portaluz

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