Para entrar na Páscoa eterna, devemos primeiro passar pelas chamas transformadoras do Sagrado Coração.
Por Monsenhor Robert Batule
No Evangelho do Domingo de Páscoa, temos o relato de São João sobre os dois apóstolos, Pedro e João, descobrindo o túmulo vazio. O evangelista registra como João, o mais jovem dos dois, ultrapassou Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. Mas o apóstolo mais jovem cedeu a Pedro e permitiu que ele entrasse primeiro. João o seguiu, e o evangelista observa que ele viu e creu (João 20:8).
Ver leva a crer. Mas por que se diz que apenas um apóstolo creu? João é o apóstolo amado (João 21:20). Ele vê e crê por amor.
O amor não é uma ilusão. Não é um engano. Ele não confunde beleza com pavor, mas vê a beleza no pavor. O apóstolo que vê e crê por amor está ali na cruz (João 19:26). Ele é o único apóstolo no Calvário; todos os outros se dispersaram. Os outros dez (exceto Judas, que acreditamos ter tirado a própria vida) não conseguiram se convencer a ver um Jesus sofrendo e morrendo. Seus olhos não suportaram a visão.
O amor cristão não fecha os olhos para o desagradável e o constrangedor. Ele vê e contempla. Lembre-se de que há apenas dois dias, na Liturgia da Paixão, na Sexta-feira Santa, o padre ergueu uma cruz de madeira e cantou: "Eis o madeiro da Cruz, do qual pendeu a salvação do mundo" (Missal Romano). Nossa resposta não foi exatamente tímida ou retraída: "Vinde, adoremos", clamamos (Missal Romano). Todos esses séculos depois, é fácil cantar em plena medida — afinal, estamos apenas contemplando uma réplica da coisa real. Mas João viu a coisa real: uma crucificação real e um Cristo Ressuscitado real.
Paulo de Tarso era um homem que pensava ver as coisas com precisão, mas estava terrivelmente enganado quanto à sua primeira percepção. Nos Atos dos Apóstolos, o autor sagrado descreve um Paulo cego (Atos 8-9) antes de sua conversão. A cegueira é removida quando Ananias impõe as mãos sobre ele (Atos 9:12). Surpreendentemente, "umas escamas caíram dos seus olhos e ele recuperou a vista. Levantou-se e foi batizado" (Atos 9:18).
O que explica essa conversão? É o amor. São Paulo o chama de caminho mais excelente, levando o apóstolo a escrever aquela magnífica ode ao amor em sua Primeira Carta aos Coríntios. Após uma descrição maravilhosa oferecida pelo apóstolo — "O amor é paciente, o amor é bondoso..." — o apóstolo ainda escreve o seguinte: "Agora vemos em enigma, como através de um espelho" (1 Coríntios 13:12).
Gostamos de pensar que vemos claramente o tempo todo, mas não é isso que acontece. A Ressurreição, no entanto, nos permite ver esplendidamente com os olhos da fé. Com os olhos da fé, vislumbramos o que está reservado para aqueles que amam. Não há realmente nenhuma surpresa, portanto, quando Jesus chama amar a Deus de o maior mandamento (Mateus 22:34-40). No entanto, o mais notável de tudo não é que amemos a Deus, mas que Ele nos ame primeiro (1 João 4:10).
A Ressurreição e o amor estão interligados em múltiplos níveis, poderíamos dizer. Comecemos então pela dimensão sacramental, visto que, como católicos, temos afinidade intelectual e experiencial com ela.
O Senhor nos dará novos corpos, observa São Paulo, segundo o modelo do corpo glorificado do Filho (Filipenses 3:21). Uma antecipação desse mistério está no ato da Comunhão Eucarística. Nós, que recebemos a Sagrada Comunhão, comemos o Pão que desceu do Céu. Comer este Pão nos levará à vida eterna (João 6:51). Não há união mais profunda com o Senhor que possamos ter agora, nesta vida. Assim, a recepção da Sagrada Comunhão é sempre entendida, doutrinariamente e pastoralmente, como uma prefiguração ou insinuação da vida celestial.
O destino celestial contido na recepção da Sagrada Comunhão é extraordinariamente importante para nós, mas podemos desvendar outros significados do amor à luz da Ressurreição. Um deles é a responsabilidade que temos para com os outros — sejam eles nossos próximos ou não. São João expressa essa responsabilidade de forma breve, mas contundente, na Primeira Carta de João, no Novo Testamento. Lá, ele escreve: “Sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os nossos irmãos. Quem não ama permanece na morte” (1 João 3:14).
O amor é transformador. Para citar apenas um exemplo, homens e mulheres podem ser "arrebatados" durante o namoro, a corte e o noivado. Eles podem então ser considerados "novas pessoas" por aqueles que os conhecem desde sempre. O que está por trás dessa transformação? É o conhecimento e a aceitação de que outra pessoa me ama como ninguém. Essa forma de ser tratado me faz "sair de mim mesmo". Eu "me elevo", por assim dizer, por ter sido tratado com tanta preeminência por apenas mais uma pessoa neste planeta.
Meus irmãos e irmãs (não meus irmãos, mas todos os outros com quem compartilho a mesma humanidade), eles são amados em si mesmos simplesmente porque todos fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Amar os outros — isto é, segundo São Tomás, desejando efetivamente o seu verdadeiro bem — é assim que minha vida terrena não se torna um prelúdio infernal na expectativa de ser relegado ao Hades pelo julgamento divino. A recusa em amar é, por assim dizer, como manter a pedra intransigentemente em seu lugar, à frente do sepulcro.
Somos chamados a amar em um mundo cruel, e isso significa que a reciprocidade esperada no amor muitas vezes falta. De fato, a reciprocidade pode faltar mesmo quando e onde nenhuma malícia é imputada. Mas é definitivamente o caso quando e onde os discípulos do Senhor são perseguidos. Jesus diz isso no Sermão da Montanha. Amai os vossos inimigos, Jesus exorta ali; fazei o bem aos que vos odeiam; e, finalmente, abençoai os que vos amaldiçoam (Lucas 6:27).
Jesus estabelece um padrão extremamente alto para os discípulos. Mas por que não o faria, já que a verdade está em jogo? Na Última Ceia, Jesus ora pela consagração de seus apóstolos na verdade (João 17:17). Ser santificado na verdade deu coragem aos apóstolos no Pentecostes. No entanto, a coragem não é uma virtude que exercitamos intermitentemente ou com parcimônia. Sendo sempre necessária no trabalho da Igreja em relação ao mundo, a coragem não pode ser entendida sem o amor pela verdade.
No final do Evangelho de São João, após a Ressurreição do Senhor, Pedro é questionado por Jesus: "Você me ama?" (João 21:15). Três vezes, a pergunta é feita a Pedro. E em cada uma delas, após a profissão de amor de Pedro, o apóstolo recebe a ordem de "alimentar" e "cuidar" dos "cordeiros" e das "ovelhas". Não há outra maneira de interpretar essa ordem senão eclesiasticamente. A Igreja deve ser alimentada com a verdade da Palavra de Deus. É isso que o pastor faz. É a própria razão pela qual ele é pastor.
Um pastor que proclama a verdade por amor inspira nos cordeiros e nas ovelhas o amor pela verdade. Aqueles que amam a verdade, portanto, são menos propensos a renunciar à Fé quando e onde ela estiver sob ataque. Os confessores e os mártires conferem ao Corpo de Cristo uma resiliência histórica tal que nenhuma instituição meramente humana poderia resistir, de acordo com suas próprias características definidoras. A perseguição pode causar dor e morte a membros individuais da Igreja, mas o Corpo Místico do Senhor Ressuscitado possui um pleroma, ou plenitude, que não pode ser revogado por nenhum inimigo humano.
Alegramo-nos porque Deus é amor (1 João 4:8) e que a Ressurreição torna isso radiante, apesar da escuridão do nosso mundo.
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Fonte - crisismagazine

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